Erico L. Kneubühler
Noites sem Dormir
NÃO RECOMENDADO PARA MENORES DE 18 ANOS
NÃO RECOMENDADO PARA MENORES DE 18 ANOS
______________________________________________________
I
O
céu estava nublado, uma cortina cinzenta tapava a lua e as constelações que a
cercavam. Ruas estreitas dividiam prédios altos e apagados. Postes baixos de
metal negro emitiam luzes pálidas e monótonas sobre a calçada, uma luz tão estéril
que nem mesmo insetos voavam em torno dela. Um homem caminhava sobre tais
luzes, a figura vestida de preto observava os becos e cantos escuros por onde
passava. Os únicos seres humanos que via eram mendigos dormindo sobre mantas
velhas e pedaços de papelão. Imóveis e silenciosos, largados junto de garrafas
de pinga e sacos vazios de pão.
O homem que caminhava
desviava dos mendigos como se desviasse de cadáveres.
A noite estava fria, ventava muito, o vento gelado entrava
pelas brechas da roupa daquele homem, o que lhe afastava o sono, por baixo do
sobretudo, jazia um homem cansado, cujos olhos lhe pesavam em manter abertos. Não
haviam carros transitando, nem mesmo estacionados fora da garagem dos prédios.
Ao dobrar uma esquina, entrando numa área mais comercial, as lojas estavam
todas fechadas, porém alguns letreiros se mantinham acesos. A poucos metros,
uma mulher estava parada na calçada, o homem se aproximou dela, calado, sua
cabeça chegava a doer de sono, fechou os olhos por alguns segundos, porém
mantinha a caminhada em direção a mulher. O homem teve alguns espasmos, sua
boca emitiu alguns sons, como respirações forçadas, porém curtas e altas. Ele parou
de andar, abriu os olhos, estava a dois passos da mulher. O corpo de ambos era
banhado pela luz vermelha de um letreiro.
Ela
o encarava com uma expressão alegre, era jovem, aos olhos daquele homem era
praticamente uma menina. Tinha os cabelos castanhos, densos, soltos e lisos,
chegando até um pouco abaixo do ombro. Sua pele branca estava avermelhada pela
luz do letreiro, seus olhos castanho-claro lhe davam um olhar de inocência.
Usava roupas largas e casuais por baixo de um sobretudo longo, que lhe cobria
praticamente todo o corpo. A garota permaneceu estática, o homem sentiu sua
pele tremer num inesperado arrepio, ele tocou seu braço, aproximou o corpo do
dela e beijou seu rosto, sentiu o cheiro de seus cabelos.
- Oliver. – Murmurou
ela – Por que ligou tão tarde?
- Sinto muito. – Disse
afastando os lábios
- Três meses... – Ela
se aproximou, segurou suas mãos nuas – Você desaparece por três meses e me
volta assim? – Ela soltou suas mãos e segurou seu rosto, tocando suas olheiras
– Vamos subir?
Oliver ajeitou os óculos.
Ele
encarou o apartamento ao seu lado, um prédio velho e desbotado, com poucos
andares, grandes janelas, fechadas e escuras, como se o bairro estivesse morto,
o silencio incomodava Oliver. Catherine observou uma movimentação num beco
próximo, o acender de um cachimbo, silhuetas armadas contando cédulas, ela
apertou o braço de Oliver, ele a olhou nos olhos, entre suas olheiras, Oliver
assentiu. Catherine o guiou até a portaria, subiram as escadas e entraram no
apartamento dela.
Era
um lugar pequeno, uma cozinha apertada, um banheiro e um quarto/sala. A
iluminação era pouca, vindas de abajures e lâmpadas incandescentes, que mesmo
acesas, criavam um clima sombrio ao apartamento. Catherine desfilou pelo
apartamento, tirou o casaco e as botas, os pés descalços amassaram o tapete
felpudo, posicionado entre um cabideiro e a cama de casal. Oliver permaneceu de
pé na divisa entre o quarto e a cozinha, mantinha o olhar cansado e os ombros
caídos.
- Dois? Três? Quantos
dias? – Perguntou Catherine depois de tirar suas caças, sua camisa larga e fina
a cobria até metade das coxas
- O que?
- Dias sem dormir. – Disse
Catherine, se levantando e caminhando em sua direção
Ela segurou os braços
de Oliver, apertando seu casaco, precisava erguer o olhar para que se
encontrassem, Catherine pressionou seu corpo ao corpo dele.
- Uma noite. – Murmurou
Oliver, esboçando um fraco sorriso
Sua voz era voz serena
e rouca, não conseguia esconder o cansaço, as palavras lhe rasgavam a garganta.
- Está mentindo. –
Acusou ela. Ele podia sentir seu hálito, ela havia acabado de escovar os
dentes. Oliver balançou a cabeça negativamente – Você está horrível. - Ele
voltou a sorrir – O que aconteceu?
Mentindo descaradamente,
Oliver respondeu:
- Nada.
Catherine
o segurou pelo colarinho e o puxou para baixo, beijou seus lábios por um
instante e se afastou. Foi em direção a porta e a trancou, apagou a luz da
cozinha e voltou para o quarto.
- Tire suas roupas. –
Ordenou ela – Você precisa dormir.
- Achei que fossemos
transar. – Murmurou Oliver, ironicamente
- Você não consegue
ficar de pé, o que pensa que pode fazer?
Oliver sorriu, um
sorriso cansado e sonolento, ele fechou os olhos enquanto respondia:
- Eu? Nada... – Disse tirando
os óculos - Mas você pode. - Sem ver a reação dela, Oliver guardou os óculos, tirou
o casaco e pendurou num cabideiro ao lado de uma escrivaninha na parede oposta
à cama, enquanto jogava as roupas de qualquer jeito, ser organizado dava
trabalho, e trabalho era algo que ele não precisava. Oliver lançou os olhos
sobre a escrivaninha, havia uma pilha de livros didáticos e dois cadernos
cheios de anotações desorganizadas. Ele tirou os sapatos sem usar as mãos, ele
sentiu uma mão puxá-lo pelas costas de sua camisa, ele foi cedendo ao puxar,
deu alguns passos para trás, ainda com o olhar fixo a frente, seu calcanhar
bateu na base da cama, um puxão mais forte o fez cair de costas sobre o colchão
– Muito engraçado... – Murmurou ele, a encarando de cabeça para baixo, usava um
alto grau nos óculos, enxergava tudo embaçado
Catherine
sorriu, estava sentada com as costas apoiadas na cabeceira da cama, puxou o
cobertor até o nariz. Oliver se arrastou sobre a cama, erguendo-se quando
chegou em Catherine, ela sorriu por de traz do cobertor, seus olhos castanhos o
fitavam com maldade, Oliver descobriu o rosto dela lentamente, não ouve muita
resistência por parte de Catherine, que se curvou em sua direção, indo para
cima dele. Sem qualquer aviso prévio, Oliver fechou os olhos e caiu de cara num
travesseiro, puxou o cobertor sobre si e pareceu dormir. Catherine frustrou-se,
ela ficou com uma sincera “cara-de-bunda”.
- Babaca. – Ela pensou
Catherine
encarou a figura deitada, seus cabelos pretos esparramados sobre o rosto, enfim,
Catherine se deitou e se cobriu. Ela se aninhou, Oliver a puxou para perto, o
cobertor os cobria até os cabelos, e foi cheiro dela que o fez se lembrar
porque queria tanto vê-la. O silêncio era maravilhoso, apenas o respirar do
outro, Oliver se sentiu mal por quebrar essa sensação:
- Cat... – Murmurou ele
- Fale.
- Quantos anos você tem
mesmo? Dezoito?
- Dezenove.
Ele abriu os olhos, foi
um esforço, então notou que os dela também estavam abertos.
- Quando foi seu
aniversário?
Catherine levou alguns
segundos para responder.
- Ainda é meu
aniversário.
Oliver respirou fundo,
o silencio era pleno e durou bons segundos.
- Feliz aniversário. – Disse
esboçando um sorriso
Ele a abraçou,
Catherine levou algum tempo, Oliver adormeceu quase que imediatamente.
O dia amanheceu
cinzento, como todos os dias.
Oliver sentiu um gosto ruim na boca,
uma dor forte e repentina no peito, ele agarrou a camisa e se encolheu na cama.
Respirou fundo algumas vezes, aos poucos a dor passou, Oliver deslizou a mão
pela cama, sentiu o cobertor vazio, abriu os olhos, Catherine não estava na
cama. Oliver se virou para a janela, sua visão estava embaçada, o quarto estava
escuro, mas ele enxergou uma silhueta na janela. Oliver pensou em dizer algo,
mas o simples ato de pensar em falar já machucava sua garganta, então deixou
isso de lado e se encolheu por debaixo do cobertor, fechou os olhos e voltou a
dormir.
18:13 da
tarde, o sol tinha acabado de se por.
Oliver abriu os olhos, algumas luzes
estavam acesas, o quarto estava iluminado, ele estava sozinho na cama. Ele
esfregou o rosto no travesseiro, deslizou as mãos pelo couro cabeludo, puxando
os cabelos ainda com o rosto no travesseiro. Afastou o cobertor com os pés,
empurrando até que seu corpo ficasse livre, Oliver se espreguiçou na cama, seus
braços alcançavam as bordas da cama. Ele ouviu o apitar de uma chaleira, mas
que logo cessou. Oliver se levantou, caminhou até a cozinha, sonolento, sua
visão era bem limitada, sem os óculos enxergava borrões, com os olhos meio
abertos, chegou a cozinha, antes de mais nada, um vulto se aproximou pelo seu
lado e levou as mãos para o seu rosto, a princípio Oliver recuou, mas quando
percebeu que aquelas mãos estavam tentando lhe por seus óculos, ele parou de se
mover.
- Você
sempre foi silenciosa para fugir da cama. – Disse Oliver, que piscou algumas
vezes, ele olhou em volta, nada, não havia ninguém por perto
Oliver
franziu a testa, foi como se um fantasma tivesse colocado seus óculos.
- Disponha...
– Ouviu a voz de Catherine vinda do quarto – Mas pelo que mesmo?
- Por
colocar meus óculos. – Respondeu Oliver
Catherine
levou alguns segundos para responder:
- Mas eu
não fiz isso. - Ouve um silencio, Oliver permaneceu parado, sentiu um toque em
suas costas – Estou brincando. – O tom descontraído de sua voz ecoou pela
cozinha
Oliver virou o rosto, ela estava incrível, o apartamento
estava quente o bastante para que ela vestisse apenas uma camisa azul, alguns
números maiores do que o recomendado para ela. Tirando um par de pantufas
felpudas, não vestia mais nada. Oliver apertou suas bochechas, balançou seu
rosto de um lado para o outro, Catherine franziu as sobrancelhas.
- Mas que
cara é essa? – Perguntou Oliver, com voz de pigarro
Ele soltou
suas bochechas.
- Às vezes
eu penso que você não gosta de mim. - Oliver se abaixou, estava com muita fome
e muita sede, estava com um gosto de madrugada na boca. Ele a segurou pelas
pernas e se levantou, deitando Catherine sobre seu ombro. Num susto, ela soltou
um grito, sua camisa subiu até a altura das costelas. Ele a deitou sobre a
cama, se virou e voltou para a cozinha – O que foi isso?
Oliver não respondeu, voltou para a cozinha, comeu alguns
biscoitos e se serviu com um pouco de café, atravessou o quarto com sua xicara,
revistou os bolsos de seu casaco, ainda pendurado no cabideiro. Tirou um
isqueiro e um maço de cigarros e levou com ele até a janela, puxou as cortinas,
sentiu uma brisa gelada, a noite era silenciosa. Podia imaginar a solidão do
lado de fora, mas não conseguia senti-la, não ali dentro, sobre aquele teto,
perto dela, solidão era apenas lembranças de um passado recente.
Oliver deixou o cigarro e o isqueiro
sobre o parapeito da janela, então continuou a tomar seu café, observava o céu,
deixou a xicara de lado e apanhou o maço, com um movimento do pulso, o filtro
marrom pulou para fora, Oliver puxou o cigarro com os dentes, acendeu seu
isqueiro zipo, depois de tragar duas vezes, foi soprando a fumaça contra o céu.
Ficou de
lado para Catherine, olhando para fora, começou a declamar.
-“terminar sozinho no túmulo de um quarto,
sem cigarros, nem bebida, careca como uma lâmpada, barrigudo, grisalho, e feliz
por ter um quarto… de manhã”
Levou
alguns segundos para Catherine se pronunciar:
- Esse
costume é meio estranho, não acha?
- Não... –
Respondeu depois de soltar uma lufada de fumaça - É um poema...
- Não tem
rimas...
- Não
precisa de rimas pra ser um poema.
- Mas
então como eu sei que é um poema?
Oliver baixou
o cigarro, o rosto se contorceu numa careta.
- Boa
pergunta... – Tragou uma última vez, sentiu o gosto da nicotina como um amargo
café adoçado com pimenta, ele soprou a fumaça lentamente – Boa pergunta... –
Repetiu, ao mesmo tempo em que jogava o filtro pela janela
- Você não está sozinho. –
Disse ela – Você tem cigarros, tem cerveja na geladeira e tequila no freezer,
não vejo entradas no seu cabelo, a academia parece fazer efeito... e apesar de
não ser um “cabeça de algodão”, já consigo ver uns fios brancos nessa juba. –
Catherine subiu e desceu as sobrancelhas
Oliver sorriu, ele avançou sobre ela, ajoelhando-se sobre a
cama, de forma agressiva e repentina, tentou beija-la. Catherine tapou sua boca
com a palma da mão, ela franziu a testa, o olhar de desaprovação veio acompanhado
por um movimento de cabeça, um “não” dito numa linguagem corporal.
- Escove
os dentes, não vou beijar esses lábios de nicotina.
Então o
empurrou para fora da cama.
O
céu estava nublado, uma cortina cinzenta tapava a lua e as constelações que a
cercavam. Ruas estreitas dividiam prédios altos e apagados. Postes baixos de
metal negro emitiam luzes pálidas e monótonas sobre a calçada, uma luz tão estéril
que nem mesmo insetos voavam em torno dela. Um homem caminhava sobre tais
luzes, a figura vestida de preto observava os becos e cantos escuros por onde
passava. Os únicos seres humanos que via eram mendigos dormindo sobre mantas
velhas e pedaços de papelão. Imóveis e silenciosos, largados junto de garrafas
de pinga e sacos vazios de pão.
O homem que caminhava
desviava dos mendigos como se desviasse de cadáveres.
A noite estava fria, ventava muito, o vento gelado entrava
pelas brechas da roupa daquele homem, o que lhe afastava o sono, por baixo do
sobretudo, jazia um homem cansado, cujos olhos lhe pesavam em manter abertos. Não
haviam carros transitando, nem mesmo estacionados fora da garagem dos prédios.
Ao dobrar uma esquina, entrando numa área mais comercial, as lojas estavam
todas fechadas, porém alguns letreiros se mantinham acesos. A poucos metros,
uma mulher estava parada na calçada, o homem se aproximou dela, calado, sua
cabeça chegava a doer de sono, fechou os olhos por alguns segundos, porém
mantinha a caminhada em direção a mulher. O homem teve alguns espasmos, sua
boca emitiu alguns sons, como respirações forçadas, porém curtas e altas. Ele parou
de andar, abriu os olhos, estava a dois passos da mulher. O corpo de ambos era
banhado pela luz vermelha de um letreiro.
Ela
o encarava com uma expressão alegre, era jovem, aos olhos daquele homem era
praticamente uma menina. Tinha os cabelos castanhos, densos, soltos e lisos,
chegando até um pouco abaixo do ombro. Sua pele branca estava avermelhada pela
luz do letreiro, seus olhos castanho-claro lhe davam um olhar de inocência.
Usava roupas largas e casuais por baixo de um sobretudo longo, que lhe cobria
praticamente todo o corpo. A garota permaneceu estática, o homem sentiu sua
pele tremer num inesperado arrepio, ele tocou seu braço, aproximou o corpo do
dela e beijou seu rosto, sentiu o cheiro de seus cabelos.
- Oliver. – Murmurou
ela – Por que ligou tão tarde?
- Sinto muito. – Disse
afastando os lábios
- Três meses... – Ela
se aproximou, segurou suas mãos nuas – Você desaparece por três meses e me
volta assim? – Ela soltou suas mãos e segurou seu rosto, tocando suas olheiras
– Vamos subir?
Oliver ajeitou os óculos.
Ele
encarou o apartamento ao seu lado, um prédio velho e desbotado, com poucos
andares, grandes janelas, fechadas e escuras, como se o bairro estivesse morto,
o silencio incomodava Oliver. Catherine observou uma movimentação num beco
próximo, o acender de um cachimbo, silhuetas armadas contando cédulas, ela
apertou o braço de Oliver, ele a olhou nos olhos, entre suas olheiras, Oliver
assentiu. Catherine o guiou até a portaria, subiram as escadas e entraram no
apartamento dela.
Era
um lugar pequeno, uma cozinha apertada, um banheiro e um quarto/sala. A
iluminação era pouca, vindas de abajures e lâmpadas incandescentes, que mesmo
acesas, criavam um clima sombrio ao apartamento. Catherine desfilou pelo
apartamento, tirou o casaco e as botas, os pés descalços amassaram o tapete
felpudo, posicionado entre um cabideiro e a cama de casal. Oliver permaneceu de
pé na divisa entre o quarto e a cozinha, mantinha o olhar cansado e os ombros
caídos.
- Dois? Três? Quantos
dias? – Perguntou Catherine depois de tirar suas caças, sua camisa larga e fina
a cobria até metade das coxas
- O que?
- Dias sem dormir. – Disse
Catherine, se levantando e caminhando em sua direção
Ela segurou os braços
de Oliver, apertando seu casaco, precisava erguer o olhar para que se
encontrassem, Catherine pressionou seu corpo ao corpo dele.
- Uma noite. – Murmurou
Oliver, esboçando um fraco sorriso
Sua voz era voz serena
e rouca, não conseguia esconder o cansaço, as palavras lhe rasgavam a garganta.
- Está mentindo. –
Acusou ela. Ele podia sentir seu hálito, ela havia acabado de escovar os
dentes. Oliver balançou a cabeça negativamente – Você está horrível. - Ele
voltou a sorrir – O que aconteceu?
Mentindo descaradamente,
Oliver respondeu:
- Nada.
Catherine
o segurou pelo colarinho e o puxou para baixo, beijou seus lábios por um
instante e se afastou. Foi em direção a porta e a trancou, apagou a luz da
cozinha e voltou para o quarto.
- Tire suas roupas. –
Ordenou ela – Você precisa dormir.
- Achei que fossemos
transar. – Murmurou Oliver, ironicamente
- Você não consegue
ficar de pé, o que pensa que pode fazer?
Oliver sorriu, um
sorriso cansado e sonolento, ele fechou os olhos enquanto respondia:
- Eu? Nada... – Disse tirando
os óculos - Mas você pode. - Sem ver a reação dela, Oliver guardou os óculos, tirou
o casaco e pendurou num cabideiro ao lado de uma escrivaninha na parede oposta
à cama, enquanto jogava as roupas de qualquer jeito, ser organizado dava
trabalho, e trabalho era algo que ele não precisava. Oliver lançou os olhos
sobre a escrivaninha, havia uma pilha de livros didáticos e dois cadernos
cheios de anotações desorganizadas. Ele tirou os sapatos sem usar as mãos, ele
sentiu uma mão puxá-lo pelas costas de sua camisa, ele foi cedendo ao puxar,
deu alguns passos para trás, ainda com o olhar fixo a frente, seu calcanhar
bateu na base da cama, um puxão mais forte o fez cair de costas sobre o colchão
– Muito engraçado... – Murmurou ele, a encarando de cabeça para baixo, usava um
alto grau nos óculos, enxergava tudo embaçado
Catherine
sorriu, estava sentada com as costas apoiadas na cabeceira da cama, puxou o
cobertor até o nariz. Oliver se arrastou sobre a cama, erguendo-se quando
chegou em Catherine, ela sorriu por de traz do cobertor, seus olhos castanhos o
fitavam com maldade, Oliver descobriu o rosto dela lentamente, não ouve muita
resistência por parte de Catherine, que se curvou em sua direção, indo para
cima dele. Sem qualquer aviso prévio, Oliver fechou os olhos e caiu de cara num
travesseiro, puxou o cobertor sobre si e pareceu dormir. Catherine frustrou-se,
ela ficou com uma sincera “cara-de-bunda”.
- Babaca. – Ela pensou
Catherine
encarou a figura deitada, seus cabelos pretos esparramados sobre o rosto, enfim,
Catherine se deitou e se cobriu. Ela se aninhou, Oliver a puxou para perto, o
cobertor os cobria até os cabelos, e foi cheiro dela que o fez se lembrar
porque queria tanto vê-la. O silêncio era maravilhoso, apenas o respirar do
outro, Oliver se sentiu mal por quebrar essa sensação:
- Cat... – Murmurou ele
- Fale.
- Quantos anos você tem
mesmo? Dezoito?
- Dezenove.
Ele abriu os olhos, foi
um esforço, então notou que os dela também estavam abertos.
- Quando foi seu
aniversário?
Catherine levou alguns
segundos para responder.
- Ainda é meu
aniversário.
Oliver respirou fundo,
o silencio era pleno e durou bons segundos.
- Feliz aniversário. – Disse
esboçando um sorriso
Ele a abraçou,
Catherine levou algum tempo, Oliver adormeceu quase que imediatamente.
O dia amanheceu
cinzento, como todos os dias.
Oliver sentiu um gosto ruim na boca,
uma dor forte e repentina no peito, ele agarrou a camisa e se encolheu na cama.
Respirou fundo algumas vezes, aos poucos a dor passou, Oliver deslizou a mão
pela cama, sentiu o cobertor vazio, abriu os olhos, Catherine não estava na
cama. Oliver se virou para a janela, sua visão estava embaçada, o quarto estava
escuro, mas ele enxergou uma silhueta na janela. Oliver pensou em dizer algo,
mas o simples ato de pensar em falar já machucava sua garganta, então deixou
isso de lado e se encolheu por debaixo do cobertor, fechou os olhos e voltou a
dormir.
18:13 da
tarde, o sol tinha acabado de se por.
Oliver abriu os olhos, algumas luzes
estavam acesas, o quarto estava iluminado, ele estava sozinho na cama. Ele
esfregou o rosto no travesseiro, deslizou as mãos pelo couro cabeludo, puxando
os cabelos ainda com o rosto no travesseiro. Afastou o cobertor com os pés,
empurrando até que seu corpo ficasse livre, Oliver se espreguiçou na cama, seus
braços alcançavam as bordas da cama. Ele ouviu o apitar de uma chaleira, mas
que logo cessou. Oliver se levantou, caminhou até a cozinha, sonolento, sua
visão era bem limitada, sem os óculos enxergava borrões, com os olhos meio
abertos, chegou a cozinha, antes de mais nada, um vulto se aproximou pelo seu
lado e levou as mãos para o seu rosto, a princípio Oliver recuou, mas quando
percebeu que aquelas mãos estavam tentando lhe por seus óculos, ele parou de se
mover.
- Você
sempre foi silenciosa para fugir da cama. – Disse Oliver, que piscou algumas
vezes, ele olhou em volta, nada, não havia ninguém por perto
Oliver
franziu a testa, foi como se um fantasma tivesse colocado seus óculos.
- Disponha...
– Ouviu a voz de Catherine vinda do quarto – Mas pelo que mesmo?
- Por
colocar meus óculos. – Respondeu Oliver
Catherine
levou alguns segundos para responder:
- Mas eu
não fiz isso. - Ouve um silencio, Oliver permaneceu parado, sentiu um toque em
suas costas – Estou brincando. – O tom descontraído de sua voz ecoou pela
cozinha
Oliver virou o rosto, ela estava incrível, o apartamento
estava quente o bastante para que ela vestisse apenas uma camisa azul, alguns
números maiores do que o recomendado para ela. Tirando um par de pantufas
felpudas, não vestia mais nada. Oliver apertou suas bochechas, balançou seu
rosto de um lado para o outro, Catherine franziu as sobrancelhas.
- Mas que
cara é essa? – Perguntou Oliver, com voz de pigarro
Ele soltou
suas bochechas.
- Às vezes
eu penso que você não gosta de mim. - Oliver se abaixou, estava com muita fome
e muita sede, estava com um gosto de madrugada na boca. Ele a segurou pelas
pernas e se levantou, deitando Catherine sobre seu ombro. Num susto, ela soltou
um grito, sua camisa subiu até a altura das costelas. Ele a deitou sobre a
cama, se virou e voltou para a cozinha – O que foi isso?
Oliver não respondeu, voltou para a cozinha, comeu alguns
biscoitos e se serviu com um pouco de café, atravessou o quarto com sua xicara,
revistou os bolsos de seu casaco, ainda pendurado no cabideiro. Tirou um
isqueiro e um maço de cigarros e levou com ele até a janela, puxou as cortinas,
sentiu uma brisa gelada, a noite era silenciosa. Podia imaginar a solidão do
lado de fora, mas não conseguia senti-la, não ali dentro, sobre aquele teto,
perto dela, solidão era apenas lembranças de um passado recente.
Oliver deixou o cigarro e o isqueiro
sobre o parapeito da janela, então continuou a tomar seu café, observava o céu,
deixou a xicara de lado e apanhou o maço, com um movimento do pulso, o filtro
marrom pulou para fora, Oliver puxou o cigarro com os dentes, acendeu seu
isqueiro zipo, depois de tragar duas vezes, foi soprando a fumaça contra o céu.
Ficou de
lado para Catherine, olhando para fora, começou a declamar.
-“terminar sozinho no túmulo de um quarto,
sem cigarros, nem bebida, careca como uma lâmpada, barrigudo, grisalho, e feliz
por ter um quarto… de manhã”
Levou
alguns segundos para Catherine se pronunciar:
- Esse
costume é meio estranho, não acha?
- Não... –
Respondeu depois de soltar uma lufada de fumaça - É um poema...
- Não tem
rimas...
- Não
precisa de rimas pra ser um poema.
- Mas
então como eu sei que é um poema?
Oliver baixou
o cigarro, o rosto se contorceu numa careta.
- Boa
pergunta... – Tragou uma última vez, sentiu o gosto da nicotina como um amargo
café adoçado com pimenta, ele soprou a fumaça lentamente – Boa pergunta... –
Repetiu, ao mesmo tempo em que jogava o filtro pela janela
- Você não está sozinho. –
Disse ela – Você tem cigarros, tem cerveja na geladeira e tequila no freezer,
não vejo entradas no seu cabelo, a academia parece fazer efeito... e apesar de
não ser um “cabeça de algodão”, já consigo ver uns fios brancos nessa juba. –
Catherine subiu e desceu as sobrancelhas
Oliver sorriu, ele avançou sobre ela, ajoelhando-se sobre a
cama, de forma agressiva e repentina, tentou beija-la. Catherine tapou sua boca
com a palma da mão, ela franziu a testa, o olhar de desaprovação veio acompanhado
por um movimento de cabeça, um “não” dito numa linguagem corporal.
- Escove
os dentes, não vou beijar esses lábios de nicotina.
Então o
empurrou para fora da cama.
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