Erico L.
Kneubühler
1.3.7.6
AVISO: NÃO RECOMENDADO
EM CASO DE FANATISMO RELIGIOSO, RETENÇÃO ANAL, ANTI-HUMOR NEGRO, E PARA MENORES
DE 16 ANOS.
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Capitulo 1: O Travesti e o Neonazista
Dia 24 de
abril de 2016, a cidade de Jaraguá do Sul, situada ao nordeste do estado de
Santa Catarina, estava passando por mais um dia de outono. 16:51 da tarde, o
dia havia sido quente, o sol havia derramado uma luz intensa, que deu a cidade
um tom dourado. O calçadão de Jaraguá do Sul, formado por duas calçadas de
paralelepípedo cortadas por uma rua lisa de asfalto, dezenas de lojas exibiam
letreiros que faziam arcos sobre a calçada, algumas arvores e mesas redondas
com guarda-sóis, cercadas por cadeiras limpas de madeira envernizada. É um
lugar charmoso, pessoas despojadas caminhavam por entre os haitianos e os
hippies modernos, que mostravam seus colares, anéis, pingentes, esculturas, e
ao mesmo tempo atualizavam seu twitter. Na praça, tendas de camelôs vendendo
bolsas e roupas, pipoqueiros na praça da antiga prefeitura, e pequenas sorveterias
que vendem excelentes milk-shakes.
Escondido
debaixo de um boné de aba curva, caminhava uma figura jovem, na faixa dos vinte
e dois anos, vestindo uma regata azul com a gola em “V”, uma bermuda bege e um
par de tênis surrados. Gabriel, saiu de casa para encontrar dois amigos,
mantinha os olhos azuis atentos ao fluxo de pessoas, frequentemente desviando
de um e outro grupo. Em certo momento, seu telefone tocou, ao tirar o celular
do bolso, viu que era sua namorada, Bianca. Ele atendeu:
- Fala amor.
- Amor, onde você disse que ia mesmo? – Perguntou ela, com a voz que
dava a entender que estava envergonhada por ter esquecido
- Encontrar meus amigos. –
Respondeu Gabriel apoiando-se numa árvore
- Que amigos mesmo? – O tom
de voz de Bianca ficou mais sério
- O Vitor e o Guilherme, no
calçadão, perto daquela loja de colchões.
- Entendi, vai ficar com eles
até tarde?
- Um pouquinho, até as sete.
- Vocês vão beber? – A
pergunta soou como uma acusação
- Não, amor, não vou.
- Você sabe muito bem o que
aconteceu da última vez!
Gabriel afastou o celular do
ouvido, respirou fundo, ele sorriu e recolocou o telefone no ouvido.
- Eu não quero falar disso,
eu to vendo eles, eles estão acenando. –
Mentiu Gabriel, ele continuava parado desde que atendeu a ligação. Sentindo que
só iria piorar, precisava por um fim na conversa – Tenho que ir, beijo gata.
Ouve um silêncio do outro
lado da linha... Um, dois, três, quatro segundos...
- Beijo. – Disse ela enfim, e
desligou o celular
Gabriel olhou para o céu.
- Desculpe por mentir... –
Murmurou para Deus
Gabriel se dirigiu a atravessar a rua a passos rápidos, enquanto o fazia, uma
mulher passou correndo pela calçada, morena de cabelo longo e amarrado, fones
de ouvido, vestindo uma regata branca, tênis de corrida e uma calça suplex
preta, justa em seu quadril largo. Enquanto atravessava a rua, Gabriel ficou
hipnotizado pelo movimento.
- Obrigado Senhor. – Pensou
ele com um sorriso safado no rosto
Seu pensamento terminou exatamente no meio da rua, quando o “Senhor” foi
finalizado. Uma buzina soou a sua direita, quando virou o rosto, já havia sido
atingido por um carro em alta velocidade. O carro o atingiu na bacia, ele voou
sobre o capo, atingiu o vidro da frente, rolou sobre o teto e caiu, entre a
calçada e o asfalto, acertando a cabeça num hidrante, quebrando o pescoço e
afundando o crânio. Dois assaltantes roubaram uma BMW e estavam fugindo de uma
viatura da polícia que vinha logo atrás, mas que interrompeu a perseguição para
socorrer o acidentado. Um grupo de pessoas se reuniu em volta, alguns recuaram
com nojo da cena. Gabriel agonizava no meio fio, vazando sangue pela cabeça,
aos poucos, os espasmos cessaram. O policial veio correndo, se abaixou ao lado
de Gabriel e checou seus sinais vitais.
O policial ergueu os olhos, vendo e ouvindo uma mulher chamar uma ambulancia, ele abaixou o olhar e fechou os olhos de
Gabriel.
- Acho que não vai precisar.
– Pensou o policial balançando a cabeça negativamente
Gabriel abriu os olhos.
A sua
frente, uma parede lisa e escura, ele estava sentado num longo banco que
percorria todo um corredor, Gabriel olhou para os lados, a sua direita, haviam
pelo menos uma centena de pessoas, todas estáticas, com os olhos voltados a
parede. Gabriel voltou a olhar para a parede, notando que a cada dez metros
havia um monitor de sessenta polegadas, em todos mostrava o número 1.2.9.8 em
negrito, vermelho sangue e numa fonte Agency FB.
- Que porcaria é essa? –
Murmurou Gabriel deixando a boca meio aberta assim que terminou de falar
- O que foi querido? – Disse
alguém ao seu lado, sua voz lembrava a do pato Donald
Gabriel
virou o rosto lentamente, a sua esquerda, uma “mulher”, de longos cabelos
pretos e lisos, pele morena, peitos gigantes, uma maquiagem pesada, vestindo
lycra e couro. De fato, um travesti, Gabriel notou na hora.
- O que? – Gaguejou ele
- Você disse alguma coisa. –
Respondeu a “Mulher” – E eu perguntei, o que foi querido?
Gabriel travou na hora.
- Eu... – Continuou
Gaguejando – Não, não, eu só, sabe, to confuso.
- Eu também. – Disse o
travesti, estendendo a mão – Eu sou Gustavo. – Gabriel aceitou o
cumprimento, sentindo os calos na mão do trabalhador noturno – Mas pode me
chamar de Lince. – Disse sorrindo
Os calos não incomodaram
Gabriel, mas o “Lince” o deixou um tanto sem graça.
- Gabriel, mas pode me chamar de Gabriel. – Apresentou-se.
Gustavo acenou positivamente com a cabeça. Depois de um breve silêncio, os dois
se voltaram para os monitores – O que eu estou fazendo aqui? – Pensou Gabriel
ainda encarando o monitor. O corredor tinha seis metros de largura, acima dos
bancos, pequenos focos de luz vermelha iluminavam os que estavam sentados.
Gabriel tateou os bolsos procurando seu celular, mas estava sem bateria –
Estranho. – Murmurou ele, voltando-se para Gustavo – Estava com a bateria cheia
quando saí de casa.
Gabriel
arregalou os olhos, a imagem da mulher de suplex correndo invadiu sua mente, em
seguida sentiu comichão na região da bacia. Apalpou a própria cintura, fechou
os olhos, forçando a cérebro a lembrar o que havia acontecido, mas era inútil,
não conseguia captar nada além do som de uma buzina. Gabriel devolveu o celular
ao bolso, quando o fez, reparou que havia um broche no lado direito do peito,
um disco branco com as bordas pretas, cortadas por um pentagrama, sobre o a
linha horizontal, estavam os números 1.3.7.6, em
vermelho vivo. Ele ergueu o olhar, os monitores mostravam o número 1.3.0.1, voltou o
olhar para Gustavo, que se manteve impassível durante toda a ação de Gabriel,
apenas mostrou o seu broche, com o número 1.3.7.7.
- É, eu sei. – Murmurou Gustavo,
deixando sua voz de pato mais esganiçada – Eu só queria saber até onde essa
fila vai.
Abaixo
dos monitores uma seta piscando em vermelho apontava para a direita. Ao encarar
tal direção, ao longe, conseguia enxergar o fim do corredor, que dava para uma
porta de vidro fume. A cada pessoa que entrava, o fim do corredor parecia
chegar mais perto. Acima da porta havia uma placa, Gabriel não conseguia
enxergar as letras, mas lá estava escrito:
.oãçpeceR
adamahc ed oremún ues
erepsE
Da porta
até Gabriel, haviam exatas setenta e cinco pessoas, todas sentadas no imenso
banco de metal sem acolchoamento, encostado na parede do corredor, que se
erguia por quase sete metros de altura e terminava num teto arqueado com uma série de caixas de som presas
de cabeça para baixo, que não estavam sendo usadas por conta de um problema na
fiação, e passavam por uma manutenção. Enquanto Gabriel observava a aparelhagem
de som, o homem sentado do lado direito o cutucou no braço usando o cotovelo.
- Ei, você tem fogo? – Quando
Gabriel olhou o homem, engoliu em seco
Não sabia
como não havia reparado nele antes, a poucos centímetros de distância, uma
verdadeira fusão de um skinhead com um neonazista. Caucasiano, completamente
careca com uma suástica tatuada na testa, pesando cento e vinte quilos, sem
camisa, (Detalhe: o broche com o número 1.3.7.5 estava
colado no mamilo dele). Com o corpo coberto de cicatrizes e tatuagens,
tinha o rosto redondo e amassado de brigas, sua barba negra e crespa chegava no
pescoço, decorado com um pingente de soco-inglês em tamanho real. Sentado, ele
era dez centímetros mais alto que Gabriel, sendo que Gabriel era alto, tinha um
metro e noventa. Já nosso querido “Charles Manson”, tinha mais de dois metros
de altura. Gabriel se sentiu agredido, chegou a se encolher enquanto gaguejava:
- O que?
- Fogo. – Repetiu o gordão – Isqueiro, fósforo, qualquer coisa. – Ele segurava um maço de
cigarros na mão. Antes que Gabriel tivesse a chance de responder, Gustavo
estendeu um isqueiro na direção do Calvo Amistoso. Ele olhou para a figura
transvestida com nojo – Prefiro ficar sem fumar. – E virou o rosto
Gabriel pegou o isqueiro das
mãos de Gustavo.
- Aqui. – Disse estendendo o
isqueiro para o “Derek Vinyard” de cento e vinte quilos – Pode usar o meu. –
Ele se voltou para Gabriel, abrindo um sorriso de dentes amarelados e pivôs de
metal
- Obrigado cara. – Agradeceu
o Nazi acendendo um cigarro – Quer um?
- Não, não, to bem assim. – Gabriel não fumava
- Mesmo? – Insistiu ele,
estendo o maço de cigarros
- Mesmo. – Negando o cigarro,
pegou o isqueiro de volta e o devolveu discretamente a Gustavo, lhe lançando um
olhar de: “Então né... Fazer o que?”
- Quem é você? – Perguntou o
Nazi depois de iniciar seu cigarro
Gabriel estremeceu, ele se
sentia indiretamente atacado com a presença daquele homem.
- Gabriel. – Respondeu – Você
sabe...
- Eduardo. – Interrompeu ele
- Oi? – Gaguejou Gabriel
- Eduardo, meu nome. –
Explicou ele com o olhar fixo e constantemente sério, com a testa enrugada pela
posição das sobrancelhas – Você ia dizer alguma coisa?
Gabriel travou por um
momento.
- Você sabe que lugar é esse?
Eduardo levou dois segundos
para responder:
- Não. Nem sei como cheguei
nessa porcaria de lugar, me parece um puteiro pra viados.
- Você por acaso já visitou
um? – Pensou Gabriel, não tinha coragem de falar isso para um homem com uma
suástica na testa
- Eu só lembro das sirenes.
- Sirenes? – Repetiu Gabriel,
expressando certa curiosidade
- Sim. – Disse levando a mão
até a testa, esfregando com ferocidade – Eu fui sair com um traste, um irmão de
tatuagem. – Ele apontou para a suástica na testa – Ele fez a minha, eu fiz a
dele. Não importa, a gente saiu pra beber, e a gente tomou muitas, até nóis vê um preto pedindo esmola na rua.
Eu esfreguei a cara daquele merda no asfalto, deixei o preto vermelho. – E em
seguida fez um “ha!” com a boca – Tá vendo essa bota aqui? – Perguntou ele
apontando para o s coturno que estava usando – Eu afundei isso na
cara daquele macaco. – Gabriel estava passando por um pânico interno, seu rosto
permanecia impassível, mas sua mente e seus orifícios gritavam para ele rezar
todas as preces que conhecia enquanto corria até o para outro continente –
Depois vieram as sirenes, e eu acordei aqui... – Eduardo tragou seu cigarro,
soltando a fumaça pelo nariz enquanto franzia a testa – E você?
Gabriel deixou o queixo cair.
- Eu vi uma gostosa, ouvi uma
buzina, e acordei aqui. – Eduardo assentiu enquanto esfregava os dentes com a
língua
- Nunca me senti tão grato por não ser negro. – Pensou Gabriel sentindo-se
meio racista
Um som
parecido com um estouro agudo e metálico saiu das caixas de som, foi um susto
coletivo, alguns, incluindo Gabriel, tiveram um espasmo. Em seguida, começou a
tocar músicas de Roberto Carlos, Gabriel achou estranho, Gustavo não demonstrou
reação, já Eduardo repudiou o som.
- Que lixo é esse?! –
Exclamou ele – Quem canta isso? – Perguntou a Gabriel
- Dependendo da resposta,
você vai me matar?
Eduardo se mostrou um tanto
confuso com a pergunta.
- Não entendi, dependendo da
minha resposta eu vou te matar?
Gabriel pensou por um
momento.
- Eu acho que é Roberto
Carlos.
Ouve um breve silêncio,
Eduardo olhou os monitores, olhou Gabriel, e então falou:
- Ok.
Era uma maluquice, as músicas passavam de Roberto Carlos para Nirvana, Nirvana
para Robert Johnson, e Robert Johnson para The Doors. Não havia um clima a ser
mantido, de um rock intenso para um blues de boteco de estrada da década de
trinta.
Era uma maluquice musical.
Aos olhos
de Gabriel, o fim do corredor parecia vir lentamente em sua direção, como se a
cada pessoa que atravessasse a porta, o corredor engolisse aquele espaço.
Aparentemente, ninguém ali tinha alguma noção de tempo, não sabiam dizer se
esperavam a uma, duas ou dez horas naquela fila, celulares não tinham bateria,
relógios simplesmente pararam de funcionar, tudo que parecia se mover eram os
números nos monitores e o fim do corredor. Gabriel estava tendo uma dificuldade
absurda em se manter atento a qualquer coisa, não conseguia ficar olhando os
números nos monitores, seu cérebro desligava, pulava para outro universo, como
se estivesse numa aula muito chata. Enquanto “viajava” no mesmo ponto, não
percebeu que seu número estava próximo.
Gustavo o segurou pelo braço.
- Ei. – Chamou ele apontando
para os televisores – Melhor ficar ligado.
Gabriel
olhou para os monitores, eles marcavam 1.3.7.5. Ele olhou Eduardo, só então percebendo que a porta estava
do seu lado, Eduardo olhou na direção dos monitores, em seguida descolou o
broche do mamilo. Ele se levantou, as portas de correr se abriram
automaticamente, ele entrou, e a porta se fechou. O fim do corredor chegou mais
perto, engolindo a parte do banco onde antes estava Eduardo. Enquanto o
silêncio entre as pessoas se mantinha pleno, apenas o “Come as you are” de Nirvana
atravessa o silêncio do corredor, quando a música teve seu fim, os monitores
passaram a mostrar 1.3.7.6.
- Então... – Disse Gabriel,
se voltando para Gustavo – Eu acho que é isso.
- É... Foi legal te conhecer.
– Disse Gustavo. Ouve um silêncio entre os dois – Então, a gente vai poder
conversar a sós algum dia.
Gabriel sorriu.
- Não vai rolar cara, foi
mal. – Gugu não se mostrou frustrado, apenas estendeu a mão, Gabriel a aceitou –
A gente se esbarra por aí.
Então se levantou, ficando de
frente para a porta, que lentamente se abriu, e ao som de “Me and the Devil
Blues” de Robert Johnson, ele atravessou a porta.
Capitulo 2: Não era bem isso que eu Imaginava
Assim
que a porta se fechou atrás dele, a lenta melodia de Robert Johnson desapareceu
por completo. Tomando seu lugar, uma serena sinfonia de Paganini. Uma recepção,
meio escritório, meio hall de
entrada, limpa e organizada, escura, com algumas luzes vermelhas nos cantos da
sala. Através de um tapete, que ligava a porta a uma mesa do outro lado do
ambiente, numa distância de mais ou menos cinco metros. Gabriel caminhou
através do tapete, sentada atrás da mesa, havia uma mulher.
Uma mulher com chifres na cabeça.
Gabriel arregalou os olhos, podia ser
uma mulher absurdamente bonita, podia estar vestida como uma secretária, sabe
como é, camisa social fechada até o pescoço, podia ser o delírio da firma, mas
continuava tendo um par de chifres na cabeça. E Gabriel não conseguia tirar os
olhos deles. Uma latina de pele morena, cabelos pretos encaracolados, amarrados
num coque que, como direi, um tanto despenteado. Atrás dos finos óculos, um par
de olhos castanhos. Ela desviou o olhar do computador, encarando Gabriel nos
olhos, que por um momento, se tornaram dourados.
- Nome? – Perguntou ela, séria e ríspida
Gabriel despertou do transe dos chifres, sacudindo
a cabeça e olhando nos olhos dela.
- Eu... Eu... Gabriel, meu nome, Gabriel, isso, é,
Gabriel. – Disse balançando a cabeça positivamente. Gabriel nunca se atrapalhou
tanto com as palavras
- E qual desses é o seu nome? – Ela olhava Gabriel
com desdém
- Gabriel. – Respondeu tentado a voltar a encarar
os chifres
- Sobrenome.
- Walter Ziemman.
- Soletre.
Enquanto Gabriel o fazia, ela digitava,
após uma série de cliques, ela voltou a encarar Gabriel, que havia voltado a
encarar seus chifres. Finos e pontudos, saiam do topo da testa e entortavam
para trás. Ela notou que os olhos de Gabriel estavam congelados em sua testa,
ela estalou os dedos, chamando sua atenção.
- Muito bem Gabriel Walter Ziemman, somos bem
diretos aqui. – Gabriel assentiu – O senhor está morto e aqui é o inferno.
Gabriel piscou algumas vezes, olhou ao
redor, notando que a sinfonia vinha de um home
theater posto sobre uma mesa próxima a uma das paredes. Voltou a olhar a
secretária, baixou o olhar para a mesa, cheia de coisinhas de escritório,
incluindo uma placa, onde estava escrito, em uma fonte bem pequena:
,onrefnI ao odniv meB
J asac me es-atniS
Gabriel levou algum tempo para decifrar o que
estava escrito.
- Já terminou? – Perguntou a secretária
- Por que está escrito assim?
Ela revirou os olhos.
- Coisa do Chefe.
- Ah, tá bom, quem é o seu Chefe mesmo?
- Olha garoto, eu vou repetir, você está no
inferno.
Gabriel tirou o boné.
- Eu não estou no inferno. – Negou ele, incrédulo
- Está sim.
- Não estou. – Insistiu
- Está sim.
- Não estou, eu não estou no inferno!
A secretária levou os óculos a ponta do nariz.
- Pare de ser infantil. – Ela bebeu um pouco de
álcool industrial 99,8% num copo quadrado, que coincidentemente tinha uma tira
vermelha escrito: Álcool Industrial 99,8% – Escuta, eu sou uma
súcubo, um demônio sexual, mas ao invés de transar e roubar a energia vital de
algum gostoso, eu escolhi trabalhar como secretária aqui, o trigésimo sexto
Centro de Seleção e Direcionamento de Pecadores não Arrependidos, o CSDPA, como
os idiotas do TI costumam se referir.
Durante alguns segundos, todo o som no ambiente
vinha do home theater.
- E qual é o seu nome? – Perguntou Gabriel, um
tanto sereno
A expressão da súcubo suavizou um pouco.
- Amanda. – Gabriel segurou o riso com a mão –
Algum problema com meu nome?
- Não, não, é que, sabe, eu esperava algo mais... exótico...
Amanda colocou a língua bifurcada entre os dentes.
- Eu ia te mandar para o inferno, mas não vai mudar
muita coisa... – Ela abriu um sorriso maldoso, em seguida fechou a cara – Já
que esse é o meu trabalho! – Então riu muito alto, fazendo uma cara
maldosamente forçada – Seu babaca... – Murmurou secamente
- Eu posso me sentar? – Perguntou Gabriel,
apontando para a cadeira de metal a frente da mesa. Amando o ignorou, começou a
ler os registros – Ok... – Murmurou antes de se sentar, a cadeira era um tanto
desconfortável
- Gabriel Walter Ziemman, pecados não
arrependidos... Você cobiçou a mulher do próximo, pronunciou o nome de Deus em
vão, se bem que não contamos esse, se contássemos, teríamos uma coleção de cristãos
aqui em baixo.
Gabriel estava de boca aberta.
- Eu cobicei a mulher do próximo?
- Cobiçou, tem até uma foto anexada. – Amanda virou
a tela do computador, mostrando uma foto da mulher de suplex – Vou te falar, eu
pegava fácil. Lorena Santos, casou recentemente, católica, seios naturais, come
de três em três horas, escova os dentes após as refeições, uma hora de corrida
por dia, trabalha como recepcionista numa loja de aparelhos eletrônicos, seu
hobby é ler romances policiais, colecionadora de chaveiros de gatinho.
- Isso tudo está escrito aí? – Perguntou Gabriel
- Aham. – Respondeu Amanda – É que tem um arquivo
anexo na foto que foi anexada no seu perfil. – Amanda estralou o pescoço – Espero
que tenha curtido a olhada na bunda dela, mas como você morreu em seguida, por
um aparente traumatismo craniano, causado por uma BMW e um belo hidrante
vermelho. Sendo que você não pediu perdão pelo seu ato pecaminoso em vida, bem,
você está aqui agora.
Gabriel começou a se desesperar.
- Não, não, não, não, não, isso não está
acontecendo... Não! Isso não é real!! – Conforme falava, seu tom de voz foi
aumentando, até estar gritando na última frase
Amanda pegou uma lata de spray de sobre
a mesa e esguichou no rosto de Gabriel, que gritou de dor, segurando o rosto.
Amando continuou esguichando por mais alguns segundos.
- É pra você calar a boca e se acalmar.
- O que é isso?! – Perguntou Gabriel entre os
gritos
- Eu acho que é spray de pimenta, ouvi dizer que os
PMs no Brasil adoram. – Esfregando o rosto, que ardia por completo, os olhos
ficaram vermelhos e logo inchariam, o nariz e a boca pareciam estar pegando
fogo – Aquela cobiçada valeu mesmo a pena?
- O que você define como cobiçar? – Choramingou
Gabriel esfregando os olhos
Amanda piscou algumas vezes.
- Como é? – Perguntou ela
- Eu só queria saber se pensar em uma mulher já é
cobiçar.
Amanda se sentiu iluminada.
- Eu não tinha pensado nisso. – Ela se voltou para o computador – Deve
ter alguma coisa aqui. – Buscando nos versículos da Bíblia em seu computador,
não demorou muito até encontrar algo – Mateus 5:28. “Eu,
porém, vos digo, que qualquer que olhar para uma mulher com intenção impura, em
seu coração, já cometeu adultério com ela...”. – Amanda encarou Gabriel – Não
tem jeito, espero que aproveite a sua estadia aqui. – Gabriel deixou a testa atingir
a mesa, então continuou a choramingar – Tem um arquivo anexado nessa passagem.
– Gabriel ergueu o rosto inchado – É do Chefe: Não
leve em conta as palavras de Mateus, ele não era Jesus, muito menos Deus. – Amanda
voltou a encarar Gabriel – Eu nunca entendi porque ele gosta tanto dessa fonte
Agency FB em negrito. – Gabriel começou a chorar, não sabia direito porque, se
pela situação ou pela pimenta – O que você acha?
Chorando,
ele respondeu:
-
Eu não sei! Eu não sei! – E voltou a bater a cabeça na mesa
-
Nunca passei por isso antes. – Admitiu Amanda – Só um minuto. – Pediu ela
-
Tudo bem, eu posso esperar. – Murmurou Gabriel ainda com a testa na mesa
Amanda
pegou o telefone vermelho e começou a discar: 616.
-
Aqui é do setor trinta e seis... – Começou ela – Sim, Amanda... Estou com um
problema de envio... Exato, estou num impasse aqui... Impasse... Caralho, como
você não sabe o que é impasse, você é idiota por acaso? Como você conseguiu
esse emprego? Escuta, eu não sei se foi um erro esse cara vir aqui... Olha, eu
não posso fazer ele descer sem uma confirmação, eu preciso do Chefe
aqui... Como assim Ele
não pode? O que aquele puto faz da vida além de beber e se pagar de Sobrinho
de Deus?!...
Como se fosse grande coisa, faz o seguinte, chama Ele
assim mesmo... Como? Que outro? Me diz o nome! – Em seguida, apenas o “bip” de
uma ligação finalizada. Ainda com o telefone na orelha, ela lançou os olhos
sobre Gabriel – Ela desligou na minha cara...
-
É... – Murmurou Gabriel – Eu sei, é chato quando acontece...
Dez
minutos depois.
-
Por que essa música? – Perguntou Gabriel
-
Niccolò Paganini, três vezes por semana, tem que tocar essas sinfonias, é uma
clausula do contrato.
-
E o que toca nos outros dias?
-
Minha playlist. – Respondeu Amanda,
sem dar muita importância
Do lado direito da sala,
havia um elevador, que após a resposta de Amanda, se abriu, saindo um homem
vestindo uma toga romana e uma coroa de louros na cabeça, de cabelo castanho
encaracolado, nariz torto e expressão que praticamente gritava a palavra:
“PERIGO!!”
Amanda
arregalou os olhos.
-
Não! – Exclamou ela – Não, não, não! Volta pra dentro desse elevador!! – Exigiu
ela, apontando o indicador para o romano
-
Vim pra resolver o problema. – Disse o Romano, com uma voz esganiçada
Gabriel
já estava completamente perdido.
-
Você nem cristão era! – Exclamou Amanda – Eu prefiro o Stalin! – Amanda pegou o
telefone vermelho, discou o número da central, mas ninguém atendeu
-
Vocês se conhecem? – Perguntou Gabriel, um tanto inocente
O
Romano lançou um sorriso para Gabriel.
-
Então. – Disse ele, se aproximando de Gabriel e sentando no seu colo – Muito
prazer, Caio Júlio César Augusto
Germânico... – Gabriel arqueou o
corpo para trás
-
Gabriel... Por gentileza, pode sair do meu colo?
Caio
fez biquinho.
-
Mas está confortável. – Disse ele, então deu um tapa no rosto de Gabriel – Você
sabe quem eu sou?
-
Caio Júlio César Augusto
Germânico?
-
Exatamente! Eu sou seu Imperador e vou ficar aqui o tempo que eu quiser!!
-
Sem querer atrapalhar o seu reinado, mas aqui não é Roma.
O Imperador mostrou-lhe os dentes como um cão
raivoso.
- Sua coragem é notável... Eu sou o Filho de Roma,
e você é um cadáver...
- Você também...
- Mas eu tenho mais anos de mortes que você.
Amanda
revirou os olhos, segurou o braço do Imperador, pronunciando seu odiado
apelido:
-
Calígula! – Ele a lançou um olhar assassino
-
Do que você me chamou?
Com um movimento simples e
uma força sobre humana, a Súcubo o arremessou na direção do elevador, atingindo
as portas fechadas. Amanda se aproximou de Calígula e descansou seu salto
agulha em seu rosto, amassando seu nariz torto. Ela colocou as mãos na cintura,
o Imperador não se mexia, mas continuava lançando um olhar assassino para cima
da Súcubo.
-
Então Sandalinha, eu vou te fazer desejar ter sido cristão se não entrar nesse
elevador...
-
Sabe o que dizem sobre gente como você em Roma? – Perguntou Calígula, com a voz
nasalada, muito por causa de um salto 15 esmagando seu nariz
Amanda
apertou o botão de chamada do elevador.
-
Você não tinha medo dele? – Perguntou Gabriel, aliviado pelo Imperador ter
saído do seu colo
-
Não me ignore! – Gritou Calígula
-
Eu só acho esse cara insuportável! Não é à toa que não durou no poder! Como é
ser empalado as ordens de seu próprio povo!
As
portas do elevador se abriram, Amanda saiu de cima de Calígula, mostrado a
língua enquanto o imperador se arrastava para dentro.
-
Eu vou garantir que perca esse emprego! – Exclamou o Imperador
-
Eu sou concursada, não cheguei aqui fazendo favores a alguém! – Pausa dramática
por dois segundos – Seu merda!
Amanda apertou o botão -12,
as portas se fecharam, e durante alguns segundos, ainda podia escutar a
imperador esperneando dentro do elevador. Amanda abriu um sorriso maldoso, se
voltou para Gabriel, estava verdadeiramente feliz, praticamente desfilou de
volta a sua mesa.
- Sandalinha? – Perguntou Gabriel
- “Calígula” significa “Sandalinha”. – Explicou a
Súcubo
- Entendi... – No meio da palavra, o telefone
vermelho tocou
Amanda atendeu.
- Trigésimo sexto Centro de Seleção e
Direcionamento de Pecadores não Arrependidos... Sim, Amanda... Oh, ótimo...
Então já posso manda-lo pra baixo... – Gabriel sentiu um arrepio percorrer a
espinha, seguida de uma vontade de chorar – Obrigado. – E desligou o telefone –
Então Gabriel, nosso tempo junto chegou ao fim.
- Por favor, não...
- O meu Chefe quer falar pessoalmente com você. –
Gabriel se sentiu como um picolé – É só apertar o último botão do elevador. –
Gabriel hesitou – Rápido, Ele está esperando.
- É que... – Gabriel hesitou novamente – Eu posso,
sabe, tocar...
- Tocar o que? – Perguntou Amanda
Gabriel respirou fundo.
- Seus chifres.
Amanda manteve sua expressão intacta.
- Não. – Apenas respondeu, do próprio computador, a
Súcubo chamou o elevador
Gabriel abaixou a cabeça, sentindo-se
um tanto deprimido se levantando e indo em direção ao elevador. Levou um tempinho
para as portas se abrirem, quando aconteceu, Gabriel entrou, olhou para a
Súcubo, com o rosto completamente vermelho e inchado, acenou com mão tremula.
Ela ergueu o olhar, mostrando-lhe a língua bifurcada. Gabriel sorriu de canto,
levando o olhar aos botões do elevador, seguindo as instruções da Súcubo, Gabriel
apertou o último botão, o número -13.
Escrito numa fonte Agency FB, em negrito e vermelho
vivo.
Capitulo 3: O Pecador Hipócrita
Um homem, velho, com os cabelos
grisalhos e a barba tão bem-feita, que parecia que nunca houveram pelos em sua
face. O velho, vestindo uma batina
de padre sem qualquer detalhe, apenas um longo manto preto, que se estendia
como uma sombra no alto e magro homem, mas que mesmo assim, não tornava a
figura amedrontadora. Seus olhos verdes estavam escondidos atrás de um par de
óculos redondos, sua expressão serena suavizava as rugas que os anos lhe trouxeram,
tinha o nariz de batata e o rosto arredondado, mantinha as mãos nuas e os pés
envoltos de um sapato de couro preto, pelo pescoço pendia um crucifixo invertido,
feito de aço que reluzia a luz das lâmpadas incandescentes.
- Senhor? – Chamou o Padre – O Senhor me chamou? Aconteceu
alguma coisa?
- Por que Senhor? – Perguntou o Sobrinho de Deus
- O que foi? – Indagou o Padre
- Meu nome, por que me chamam de Senhor?
- Porque o Senhor é nosso líder, nosso
governante... – Respondeu - O Senhor é nosso Senhor. – Repetiu o Padre
- A Bíblia dos Homens esconde meu nome... Me diga Mateus,
qual é o meu nome?
Mateus, surpreso por ter sido chamado
pelo nome usado em vida, pensou por um momento, varrendo em vão sua memória
atrás da resposta, lembrou de dezenas de apelidos e adjetivos, mas nenhum deles
lhe parecia o verdadeiro.
- Eu não sei. – Admitiu Mateus, cabisbaixo – Me
perdoe, mas não sei o seu nome.
- Eu não o culpo, na verdade, eu nunca te contei
qual era... – O olhar do Senhor se perdeu pela sala – E nem
conseguiria, eu o esqueci a muito tempo...
O botão -13 acendeu ao ser tocado, imediatamente, o
elevador começou a descer. Confinado naquele cubículo espelhado, Gabriel ficou
se olhando nos espelhos. Na maior parte do tempo, tocava os olhos inchados, sua
pele branca havia se tornado um sinaleiro fechado. Acoplado na estrutura do
elevador, havia uma portinhola espelhada, quando Gabriel a notou e a abriu,
descobriu que se tratava de um frigobar, ignorando as bebidas, Gabriel pegou a
única garrafa d’água, que estranhamente não estava congelada. Ele foi
despejando a água em sua mão e a esfregando no rosto, no fim, havia molhado
também o cabelo loiro e a gola da camisa, Gabriel secou as mãos na bermuda,
então puxou a base da camisa para o rosto, afim de seca-lo, só então bebeu o
que restava da água.
Gabriel sentou no chão, se olhando no espelho,
agarrou os cabelos.
- Por que eu fui fazer isso?! - Perguntou a si
mesmo
Então deixou a cabeça tocar o chão.
Tinha que dobrar os joelhos para ficar deitado. Agora, com os olhos voltados
para o teto, o elevador tinha luzes florescentes, era a primeira luz branca que
ele vira desde que entrara no inferno. Quando chegou o ponteiro chegou ao andar
-12, o elevador parou, as portas continuaram fechadas, em seguida, os espelhos
todos ficaram negros, na parede oposta as portas, uma enorme mensagem, piscando
em vermelho escarlate, negrito, caixa alta, sublinhada e naquela fonte que você
já sabe qual é, estava escrito:
?OSSID AZETREC MET
Abaixo, duas palavras marcadas
como escolhas.
MIS OÃN
Imediatamente, Gabriel começou a apertar
freneticamente o botão, OÃN,
mas nada acontecia, começou a socar a parede, ficar segurando a palavra,
murmurando sem parar:
- Não quero, não quero, não quero, não quero...
No fim, já estava esfregando o rosto na opção.
Quando
se cansou, Gabriel se afastou, respirou fundo, fechou os olhos, respirou fundo
novamente, de um passo à frente, e pressionou a outra opção. Quando seu
indicador tocou o MIS,
as luzes voltaram e a mensagem desapareceu, então o elevador despencou, como
se tivesse cortado os cabos que seguravam o elevador. Tão rápido que Gabriel
foi projetado contra o teto, como um ímã, ficou grudado enquanto o ponteiro se
movia lentamente, passando o -12 para o -13. Parecia uma eternidade, como se
estivesse atravessando quilômetros e quilômetros, as luzes do elevador piscavam
e falhavam durante a decida, Gabriel gritava, com os olhos arregalados e com os
braços e pernas abertas. Exatos nove minutos e trinta e sete segundos até o
elevador chegar no andar -13, Gabriel parou de gritar nesse
instante, então desgrudou do teto e caiu no chão.
Lentamente, as portas do elevador se abriram.
Descolando
o rosto do chão, tonto, apoiando-se nas paredes/espelhos, Gabriel permaneceu
assim por alguns segundos, recuperando o folego, seus ouvidos zuniam. Gabriel
se abaixou para apanhar seu boné, vestindo-o em seguida, ele se aproximou da
porta, com os olhos fechados, temia o que pudesse ver, respirou fundo, e abriu
os olhos.
- Meu Deus... – Murmurou Gabriel
Mateus, ex-apóstolo de Jesus Cristo, que depois de um pequeno negócio,
acabou tendo que servir o Sobrinho de Deus, e nesse
momento, estava sentado, numa confortável poltrona de veludo, à sua frente, o
próprio Sobrinho, igualmente sentado
numa poltrona de veludo. O ambiente, muito bem iluminado por luzes
incandescentes, decorado com estantes com livros, garrafas de vinho de um
milhão de dólares, diplomas e pequenas estátuas de anjos. Sentado de frente
para Mateus, o Sobrinho de Deus, uma figura
humana, empunhando uma enorme taça, cheia de um vinho romano engarrafado no
século III, que possuía um forte gosto de uva e uma textura que lembrava azeite
de oliva, um exemplar destes em perfeitas condições é totalmente inexistente
para os seres humanos no plano terreno.
- Senhor? – Chamou Mateus –
Tudo bem com o Senhor?
- Não. – Respondeu o Sobrinho – Estou entediado. - Do
lado direito, havia uma mesinha, onde deixou sua taça, a esquerda, uma pequena
coluna grega com uma bacia de metal acoplada, muito parecida com as usadas para
batizar bebes, cheia de cocaína. O Sobrinho
de Deus se inclinou para a esquerda e enfiou o nariz na droga – Você já
assistiu “Scarface” Mateus? – Perguntou ele com a ponta do nariz completamente
branca
- Não Senhor, eu não assisto filmes.
- Uma pena. – Disse o Sobrinho, passando o dedo na ponta do
nariz, se reclinando na poltrona - Perdeu a referência. – Então pois o dedo branco
na boca – De 98% de tedio, passei para 97%. - Então fechou os olhos, pareceu
dormir, estático e sério
- Senhor... – Chamou Mateus
- Pare com isso! – Interrompeu o Sobrinho de Deus - Eu não sou Deus pra ficar me
chamando de Senhor!
- Tudo bem. – Murmurou Mateus, antes de beber um
gole de vinho – Queria saber, sobre aquele ariano que você mandou chamar... –
O Sobrinho assentiu - Por que
mesmo?
Bebendo seu
vinho, ele pensou por um momento, apoiou o calcanhar direito no joelho
esquerdo, apoiou a base de sua taça no braço de sua poltrona, mas não deixou de
segurá-la. Com a mão livre, tocou o próprio rosto com a ponta dos dedos, seus
olhos brilharam, e sua voz saiu completamente serena.
- Quando fui moldado, Deus teve o triste azar de
criar um adolescente, combinando o Tédio com a Revolta... – O Diabo sorriu para Mateus -
E aqui estou eu.
- Deus... – Murmurou Gabriel – Me perdoe, mas não me parece tão ruim...
Gabriel atravessou a porta do elevador, que dava para uma pequena sala, toda
rustica, com um sofá de couro escuro ao lado de uma mesinha, coberta por um
lençol branco, com uma cafeteira, uma jarra com leite, açúcar num pote de
alumínio, algumas xícaras, tudo muito organizado lado a
lado. Gabriel olhou em volta, a sala tinha grandes janelas que davam vista
para um imenso nada, como se tivessem pintado o lado de fora do vidro de preto.
Disfarçada no teto, uma pequena caixa de som havia sido instalada num dos
cantos da sala. O centro do teto estava ornado com um lustre de lâmpadas
incandescentes, numa das paredes, uma pequena estante com alguns livros e
revistas. Ao lado da porta de entrada, um porta guarda-chuvas e um cabideiro,
ambos vazios.
Era um ambiente compacto.
Gabriel se sentou no sofá, ficando de
frente para a janela, a sua esquerda, ficou a porta por onde entrou, a sua
direita estava a próxima porta, feita de madeira escura, salpicada com gotas de
tinta branca, sem muita simetria. Gabriel sentia seu corpo pesado, estava
nervoso, apesar do sofá ser extremamente confortável, e de uma sinfonia
relaxante tomando conta do lugar, ele não conseguia se sentir bem naquele
lugar, não é para menos, ele estava no inferno.
- Deus... – Pensou ele – Me ajude por favor... eu
quero muito aquele café, me de forças pra não toma-lo...
A porta salpicada foi aberta.
O
Apóstolo de Cristo entrou, ele ajeitou os óculos, encarou Gabriel de cima a
baixo, fez uma cara de desaprovação, se virou e saiu pela mesma porta que
entrou. Gabriel não teve tempo para falar qualquer coisa. Quando Mateus voltou,
trazia com ele um conjunto social, camisa branca, calça preta, sapatos
lustrados e meias longas.
- Vista isso.
Gabriel olhou para as roupas.
- Você é um padre?
- Não, sou um velho. – Respondeu Mateus, secamente
– Vista isso, você lembra um mendigo que foi espancado por adolescentes.
Gabriel se levantou.
- Dane-se essas roupas! – Exclamou – Você não sabe
o que eu passei pra chegar aqui!
- Na verdade eu sei. – Retrucou Mateus, calmamente
– Mas principalmente, sei que pecou.
Gabriel não se intimidou.
- E por que você está no inferno?
- Vendi minha alma.
Gabriel ficou irado ao ouvir aquilo.
- Você é um egoísta. – Acusou Gabriel – Que tipo de
homem é você?
O velho franziu o cenho, sempre quis responder essa
pergunta.
- Sou o tipo de homem que caminhou ao lado de Jesus
Cristo, seu apóstolo, que escreveu o livro que conta sua vida. – Gabriel recuou
lentamente – Mateus é meu nome, sou o que vendeu a alma ao Diabo para resgatar o que restara de
Jesus no inferno, apenas para traze-lo de volta dos mortos, para acalmar o
mundo, acalmar a culpa que me corroía o coração, para me sacrificar pelo Filho
de Deus, como ele havia se sacrificado por mim!
Depois de um breve silêncio, Gabriel aceitou as
roupas.
Sem entender porque, mas ele acreditou nas palavras do velho, a ideia de um
pedaço de Jesus ter estado no inferno foi difícil de entender, Gabriel
deixou isso de lado. O broche escrito 1.3.7.6 estava preso na sua
camisa, ele foi tirando e o deixando de lado. Gabriel se trocou ali mesmo,
vestiu todas as peças, pois a camisa por dentro da calça, quando foi fechar os
botões, Mateus se aproximou e fez isso por ele, fechando os botões do pulso e
do peito, se lhe oferece uma gravata, seria um garçom.
- Como era Jesus? – Perguntou Gabriel enquanto ele
fechava os botões
- Era um exemplo. – Respondeu Mateus de imediato –
Nunca disse algo que não fosse preciso, nunca se vangloriou de sua sabedoria.
Mateus entregou um suspensório a Gabriel.
- Como ele era? Quero dizer, fisicamente? –
Perguntou enquanto prendia o acessório em sua cintura e passava sobre seus
ombros
- Isso importa? No fim, as pessoas não oram pelo
seu rosto, oram pelas suas palavras. – Mateus sentia saudades do antigo amigo,
era possível sentir isso em sua voz. Quando vendeu sua alma, sabia que estaria
se separando de Jesus e de todos os seus ensinamentos, mesmo assim o fez –
Meu Senhor o está esperando.
- Não me diga que Jesus está depois daquela porta?
– Perguntou Gabriel, um tanto assustado
Mateus balançou a cabeça negativamente.
- O Diabo te espera
depois desta porta... – Mateus respirou fundo - E está na segunda bacia de
cocaína.
O lugar era uma sala de estar, com grandes
janelas, cujas cortinas escarlates estavam abertas, dando uma bela vista para o
mesmo nada da janela da sala anterior. Entre duas enormes estantes, uma lareira
de tijolos se erguia sobre uma estrutura de pedra e lançava uma luz intensa
sobre duas poltronas e um divã, que estavam situados no centro da sala. Acima
da lareira, se erguia um crucifixo invertido. O chão de tabuas escuras, com
vários tapetes felpudos em tons de bege, em destaque a um que ficava por baixo
das duas poltronas e do divã. O teto bege tinha alguns lustres, um no centro,
os outros mais afastados. A frente de uma das janelas, uma pequena área
dividida do resto da sala, elevada por um degrau. Uma grande mesa se estendia
na horizontal, com uma serie de cadeiras posicionadas em volta, a mesa estava
ornada com candelabros de prata sobre uma toalha vermelho vinho, com quadros
espalhados pelas paredes, a maioria com distorções da realidade, que
estranhamente combinavam com o ambiente. Na verdade, o lugar era praticamente
todo coberto por vermelho, marrom e bege.
Deitado
sobre o divã, o Sobrinho de Deus repousava, com os dedos entrelaçados
sobre o peito, vestia um pijama bordo de algodão, composto de uma camisa de
manga comprida, calça comprida, um par de pantufas felpudas enormes, que simulavam
de uma forma fofa os cascos de um bode. Cobria os cabelos com uma touca de
choche com orelhas caídas e chifres de lã voltados para cima. Mateus abriu a
porta e deixou Gabriel sozinho com o Diabo, fechando a porta assim que a
atravessou. Gabriel se aproximou lentamente, estava tremendo, seu nervosismo
era como se mil aranhas estivessem correndo dentro do seu estomago. Satã, em toda a sua fofura, abriu os olhos, virou o rosto
para Gabriel, por um momento, uma luz escarlate tomou conta de seus olhos, e então
bocejou.
O bocejo durou alguns segundos, e fez bastante
barulho.
- Olá... – Murmurou para Gabriel. Ele não parecia estar na
segunda bacia de cocaína. Diabo se levantou, se aproximou de Gabriel e
lhe estendeu a mão. Gabriel foi recuando conforme Ele se aproximava, Gabriel percebeu que
sua calça tinha um rabo de pelúcia – O que foi? – Perguntou Ele, no momento que parou
de avançar, Gabriel parou de recuar
- Eu sei quem você é. – Respondeu Gabriel
- Serio? E quem seria? John Milton? - Gabriel o olhou de cima a baixo
- Só não esperava te ver assim. – Pensou
- Pela sua cara, você não entendeu a referência. –
Ele pareceu um tanto decepcionado – Ninguém entende a referência... – Murmurou
enquanto voltava para o seu divã - Sente-se. – Pediu, apontando para a poltrona
ao seu lado – Eu quero conversar, Mateus pode até ser um cara legal, mas todo
assunto volta para Jesus. Eu começo a conversar sobre o vinho tal e ele não se
aguenta: “Eu bebi vinho com Jesus antes
de conversamos sobre como não devemos espancar nossas mulheres”... Aí você
pensa, não é legal ouvir alguém que viveu com o filho de Deus? – Gabriel
balançou a cabeça positivamente – Não quando qualquer coisa é motivo, as vezes
ele esquece que eu conheço Jesus, que eu já o hospedei aqui. – O Diabo tirou um broche do
bolso do pijama, o jogando para Gabriel. Estava escrito 1.3.7.6, Gabriel o apanhou,
sem saber o que fazer, ele o prendeu de volta na camisa, sobre o coração – Eu
pedi para se sentar. – Insistiu o Diabo. Gabriel se aproximou, hesitante, ele
se sentou na poltrona ao lado do divã, era uma poltrona de veludo vermelho, parecia
feita por um anjo, para um anjo. Tão sobre medida que cada centímetro de veludo
parecia abraçar Gabriel. Ele sentiu uma forte e repentina vontade de dormir –
Olhos abertos! – Exclamou Pata Rachada, estalando os dedos
- Me desculpe! – Reagiu Gabriel, arregalando os
olhos – Estou me desculpando com o diabo! – Gritou em seu pensamento, ele
segurou o rosto com as duas mãos. Gabriel respirou fundo, reunindo coragem para
perguntar – O que você quer de mim?
- Eu quero te esfolar e te fritar numa frigideira.
– Respondeu, impassível. Gabriel não teve reação, o Diabo bufou – Estou brincando, não gosto
dessa cara, esse lugar é tão desagradável? – Gabriel assentiu, em seguida se
arrependeu. O Sobrinho de Deus não era uma figura exatamente bela,
pelo menos não vestido daquela forma. Gabriel teve a impressão de que Ele estava fantasiado
dele mesmo. Seu tom de pele estava entre o de um caucasiano e o de um pardo,
como se tivesse ido à praia durante alguns dias. Dependendo do ângulo, seu
rosto parecia mais quadrado, quando abaixava o rosto, suas bochechas se
destacavam, arredondado sua face. Aparentava ter trinta anos. Em seu rosto
crescia uma “barba de uma semana”, daquelas que arranham a pele alheia. Seus
olhos se erguiam, não importava a cor, pois suas pupilas estavam dilatadas,
deixando apenas um fino círculo castanho – Você está me analisando. – Afirmou o
Diabo
Gabriel tomou um susto.
- Eu, eu, sabe, não... – Gabriel começou a gaguejar
- Não! – Gritou Ele, arregalando os olhos – Sem gaguejar. –
Murmurou calmamente
Gabriel respirou fundo.
- Então o que é? – Perguntou ele
- O que é o que? – Sete Pele se levantou, ficando
sentado no divã - Aliás, por que está vestido assim?
- Eu ia te perguntar o mesmo. – Sua resposta havia
sido um reflexo
O Diabo sorriu.
- Isso! – Exclamou
Ele, numa explosão de
animação – É isso! Uma opinião!! – O Diabo se levantou com um impulso, tirando
sua touca e suas pantufas e as jogando dentro da lareira – Então... – Começou Ele, com os olhos fixos
no fogo - A piada foi boa? – Sua voz estava carregada de um estranho cansaço
- Piada?
- A touca, as pantufas... – Respondeu ainda encarando as chamas
- Ah... – Murmurou Gabriel – Foi um tanto inesperado... – Gabriel abaixou
os olhos para o rabo de pelúcia, ainda pendurado – Esqueceu de tirar o seu
rabo.
O Diabo se virou
para Gabriel.
- Que coisa, hein? – Disse com um meio sorriso no rosto – Faz parte do
pijama, arranca-lo seria como rasgar minhas roupas. – O diabo não passava de um
e oitenta de altura, era bem mais baixo que Gabriel. Apesar de ser menor, tinha
o os ombros mais largos, não era musculoso, tinha um físico normal, pelo menos
aos olhos de Gabriel, que o via coberto daquele pijama, que por ser um tanto
folgado deixava uma série de dobras no decorrer do tecido – O que foi? – Ele perguntou – Você continua me analisando.
Gabriel ignorou aquilo.
- Você não é Ele. – Acusou Gabriel, sem estar muito certo de si mesmo
Um sorriso se abriu no seu rosto.
- Por que eles sempre duvidam? - Perguntou Ele – Sempre duvidam!! – Exclamou, num espasmo de adrenalina
- Porque ninguém espera ver o diabo num pijama amassado, com os cabelos
enroscados e com uma barba aparada num liquidificador. – Assim que terminou,
Gabriel não sabia de onde tinha tirado isso
O Diabo tentou se segurar, mas não conseguiu, Ele começou a rir, arqueou os ombros para frente, segurando os joelhos,
mantendo a cabeça abaixada enquanto explodia em risadas. Ele passou a mão pelos cabelos castanhos, jogando para
a esquerda, penteando-os com os dedos. Ele caminhou até um cabideiro, próximo
das estantes, com algumas roupas penduradas, ele apanhou um roupão, longo,
chegando até as canelas, negro e expeço, com golas felpudas. O Cabeça de Morcego o vestiu, o mantendo
aberto, se voltou para Gabriel, com os olhos cheios de malícia, caminhou até
ele, sentando-se na segunda poltrona, igualmente vermelha, ao lado, a fatídica coluna grega e a
bacia de metal acoplada.
- Em alguns
quesitos... – Começou o Diabo – A humanidade realmente sabe fazer as
coisas bem-feitas. – Em seguida mergulhou o dedo na cocaína, apontando o dedo
branco para Gabriel – Me impressiono com a capacidade de vocês em transformar
aquilo que Deus criou em coisas infinitamente melhores.
- Sim. – Concordou
Gabriel, franzindo as sobrancelhas – Transformamos a natureza, e isso resulta
em muitas coisas, e eu gosto de vários desses resultados, mas isso é bem
prejudicial...
- Estou falando de
cocaína, não de armas nucleares. – Interrompeu Ele - Só posso agradecer pela quantidade de
drogas que vocês desenvolveram, uma melhor que a outra, gosto especificamente da
nutella. Ópio me é um tanto desagradável, me deixa com a boca seca, lança-perfume
me dá insônia...
- Por que você está
falando disso?! – Perguntou Gabriel, impaciente – E você me interrompeu!
- Me perdoe. –
Respondeu – Eu sempre fico muito empolgado.
- Eu estou morto! – Explodiu
Gabriel, se levantando com um impulso – Eu estou no inferno! Estou conversando
com o Diabo! Então não ouse se divertir!! – O Diabo ergueu os olhos para encontra os de
Gabriel, completamente desesperados
- Quer uma bebida?
Gabriel respirou
fundo.
- Não. – Respondeu, então
desabou na poltrona, sentindo o mesmo conforto – Eu quero que pare de me
enrolar.
O Diabo ficou em silêncio,
durante alguns segundos, ele apenas respirou.
- Não sou algo para ser adorado. – Disse Ele
- É claro que não. – Interrompeu Gabriel – Você é o Diabo.
- E você é um pecador. – Retrucou com um certo bom humor
– Você está no inferno, está no mesmo nível que eu. – Gabriel fechou a cara –
Quantos oram a Deus por uma vida melhor, descarregam nele seus desejos,
enchendo sua paciência o dia todo, todos os dias. – Ele sorriu de canto - Isso seria confortável
se não me atingisse também. Sou apenas um culpado, sou o buraco onde os fracos
jogam sua incompetência. – Ele caiu com o rosto na bacia de cocaína,
quando saiu, parecia maquiado de uma forma bisonha. Ele passou a língua em
volta dos lábios. O Diabo encarou Gabriel, analisando-o - Sabe
como é ver o que Eu vejo, Eu consigo ver os vermes se alimentando
dentro de você, vejo seus cabelos se desprenderam como fiapos quebradiços, vejo a sua pele descascando sobre queimaduras, consigo ver através de
seus ossos esfarelados... – Ele parecia perdido - Eu só estava tentando
ajudar.
- Da pra ser um pouco mais claro?
O Diabo limpou o rosto, respirou fundo três
vezes.
- Tem algo sobre mim que realmente é verdade, eu me
revoltei, eu irritei Deus e toda a sua magnitude. – Gabriel ergueu as
sobrancelhas - Eu sei o que está pensando, mas não foi isso, não queria tirar
Deus do seu troninho de nuvens, Eu sei que não conseguiria.
Gabriel suspirou.
- Você fala, fala, e não chega a lugar nenhum.
O Diabo se levantou, deitou no divã, cruzou as
mãos sobre a barriga, e fechou os olhos.
- Já faz um tempo que não faço isso, se importa de
ouvir os meus problemas? – Perguntou Ele, calmamente
Gabriel encarou a figura deitada ao seu lado.
- Ser o Psicólogo do Diabo? Não obrigado.
- Vai lá, qual é o problema? – Perguntou o Sobrinho de Deus, ainda com os olhos
fechados
- Qual não é o problema? – Retrucou Gabriel
Ele abriu o olho direito.
- O que você tem a perder? Pra quem vai passar a
eternidade sofrendo, o que são cinco minutos?
Gabriel ficou em silêncio por um momento.
- Está bem. – O Diabo sorriu – Mas só cinco minutos.
Ele assentiu.
- Eu queria saber o meu verdadeiro nome. – Ele gesticulava enquanto
falava - Deus tirou ele de mim, Eu não aguento mais esse monte de apelidos,
um mais bizarro que o outro. Pata Rachada, Exu Caveira, o meu limite foi Rabo-de-Seta, esse realmente me
matou! Da onde tiraram que eu tenho um rabo de seta?! – Ele encarou Gabriel -
Não responda! – Pausa de três segundos – Eu tento levar as coisas na
brincadeira, mas não adianta! Quando fui sério ninguém me entendeu! – Mais uma
pausa – Tudo bem, um terço dos anjos me entenderam, e por isso estão aqui hoje.
- Escuta... – Disse Gabriel - Morrer não me deixou
idiota, eu sei o que você quer.
O Diabo contorceu os lábios e as sobrancelhas numa
forma de provocação.
- E o que eu quero? – Perguntou Ele, sarcasticamente
- Você não ia só reclamar? – Retrucou Gabriel
- Eu tenho pensado... – Ele começou - A milênios
que estou deitado nesse divã, não faço algo relevante desde o Jardim do Éden,
eu não aguento mais todo esse tédio, eu injeto litros de heroína e ainda não é
o suficiente pra fechar esse buraco no meu peito. – Lúcifer fechou o punho sobre
o coração, agarrando o pijama enquanto fechava os olhos com força, respirando
profundamente – Eu já sei o que vai dizer, são as
consequências da minha escolha, e você está certo, mas não é uma falta de Deus,
são as mentiras, - O Diabo segurou o rosto com as duas mãos, apertando e
arranhando - todas as mentiras! – Gritou – Como acha que eu me sinto? Eu ostento o título de
Primeiro Pecador! E sabe do que mais, se isso é pecar, eu fiz mais pela
humanidade do que qualquer um! Nem Cristo nem Deus transformaram a humanidade
como Eu a transformei! – O
Diabo parou para respirar - Sou um pecador que nunca será perdoado...
Gabriel parou de temer aquela conversa.
- Você pode se arrepender! – Exclamou Gabriel – Não
é possível que não consiga largar esse orgulho e pedir desculpas!
O Diabo começou a rir, um riso tão verdadeiro
que chegava a ser estranho.
- E por que eu faria isso? – Perguntou Ele, cinicamente – Vou
largar aquilo que acredito por uma mentira? Você poderia fazer isso? Poderia se
arrepender de ter ido contra um tirano?
- Aquele que prega o amor não é um tirano! –
Retrucou Gabriel - Você fala com tanta convicção, passou milênios nesse buraco,
mentiu tanto para si que acredita que são verdade!
O Dragão suspirou, parecia
feliz, como se aquele fosse o melhor show de humor que ele jamais vira. Seus
olhos lacrimejavam de emoção, Gabriel sentiu que haviam muitas palavras presas
no coração daquele anjo, e também sentia que elas queriam sair, Gabriel temia
que isso.
Exu Caveira começou a falar:
- Eu já acreditei nisso, sabia? – Gabriel podia
ouvir sua respiração - Enquanto chorava escondido de todos, me peguei pensando
nisso, que minhas escolhas foram infantis e que nada do que eu fazia tinha
importância. Foi então que juntei minhas mãos, naquele momento de fraqueza, estava
para pedir perdão, mas não havia como. – Seus olhos lacrimejavam – Não havia
como... – Repetiu Ele
- Você é incapaz de se arrepender? – Perguntou
Gabriel
- Não sei, seria mais simples se o arrependimento me
fizesse falar, mas isso não vai acontecer, Deus não irá morrer não importa o
quanto Eu o odeie, o que eu
fiz foi matar Deus em mim.
- Isso é tão triste... – Murmurou Gabriel
- Tão Nietsche... – Retrucou o Diabo num tom cômico
- Não entendi a referência. – Admitiu Gabriel - Então
vou ignorar. – Gabriel tirou o broche do peito e o jogou em cima do Diabo – Qual é o seu lado
nessa história, você traiu por egoísmo, e ainda tem a cara de pau de dizer que
odeia Deus? Acha que Ele errou quando te expulsou por sua traição?!
O Diabo fechou os olhos por alguns segundos,
pegou o broche, 1.3.7.6, escrito em vermelho numa fonte Agency
FB, dentro de um pentagrama sobre o fundo branco. Lúcifer olhou o broche
atentamente por alguns momentos, enxugou as lagrimas presas ao redor dos olhos,
então jogou o broche no fogo.
- Vou facilitar as coisas para você. – Exclamou Ele, então saltou do
divã para a poltrona, debruçando-se sobre o veludo vermelho – Vou te apresentar
o meu lado nesse jogo. Aqui vai, uma historinha para um cristão: Você, na idade
que tem hoje, é amigo de um casal, e você confia neles, mas acontece que eles
te magoam muito, você os avisou para eles não fazerem uma coisa, mesmo assim,
eles o fizeram, e a decepção foi tão grande que você se afastou deles. Agora
você é mais velho, tem uns sessenta anos, e veja só! – Ele apontou o dedo para
mim – Você fundou uma empresa, e acaba contratando um garoto para trabalhar.
Mas você acaba descobrindo que ele é o neto do casal que o magoou. Ele não tem
nada a ver com sua magoa, nada a ver com os avós dele, então, ele merece seu
ódio? – Uma breve pausa - Você vai demiti-lo? Ou melhor, você vai manter ele
ali e infernizá-lo no seu trabalho?!
Gabriel engoliu em seco.
- Não. – Respondeu hesitante
Gabriel sabia para onde aquela conversa levaria.
- Agora eu mudo os personagens, os verdadeiros
personagens. O casal são seus antepassados, e o magoado é Deus, o pecado de
Adão e Eva foi punido por Deus, mas e agora? Seus filhos, netos, bisnetos,
tataranetos, sofrem o mesmo pela vingança de Deus, a covardia Divina de atingir
Adão e Eva atacando os filhos! Todos perderam o direito de viver num Éden que
Deus entregou aos seus pais! E o fez para satisfazer a própria existência! Ele
fechou os olhos para a crueldade, deixou um mundo de pessoas boas, pessoas de
fé, que cegamente ainda o adoram, deixou todos sofrerem, até aqueles que nem
tiveram a oportunidade de pecar, já nascem doentes, defeituosas, mortas! Que
sadismo é esse?! Nem mesmo Eu sodomizo bebes, então porque Ele
destruiria uma vida dessa forma?! – O Diabo parou para respirar, ele se levantou,
caminhou até a estante, enquanto continuava – E agora, milhares de anos depois,
depois que um Casal decidiu comer uma maça, o que você tem a ver com eles?!
- Você fez eles a comerem! – Esquivou-se Gabriel,
numa fúria desesperada
Gabriel se levantou também, enquanto Lúcifer se servia com whisky
e gelo.
- Sim, Eu o fiz. – Concordou Ele, então virou o copo
nos lábios, fazendo a bebida deslizar garganta a dentro - Era a minha
oportunidade! Ia acontecer de qualquer maneira, era como por um chocolate na
cabeceira da cama de uma criança! Eles a comeriam de qualquer maneira!!
- Como pode ter certeza?! Você os tentou! Você que
causou isso tudo!
- Eu os tentei mesmo? – Perguntou o Diabo, calmamente - Dizer a
uma criança pra não fazer uma coisa é o combustível para que ele o faça. Eu os ofereci a
verdade, os tirei da ignorância, ofereci o Fruto da Razão, o conhecimento do
Bem e do Mal. Eu apenas adiei o inevitável.
- Eles não eram crianças, e Deus lhes deu a chance
de escolher entre Ele e o Desobediência, entre Ele e o Errado!
- Você está cobrindo com flores uma poça de merda.
– O Diabo deu um passo a
frente, erguendo os braços junto da voz - Deus lhes deu a chance de escolher
entre a Ele e a morte, entre a ignorância e a liberdade! – Ele jogou o copo contra
uma das paredes, os cacos se espalharam pela sala - O que os diferenciava de
gado? Nem sequer pensavam, viviam nus, esperando o Todo Poderoso dizer o que
comer ou não! Enquanto Deus brincava com suas eternas crianças, Eu me remoía de fúria, Eu sou a Revolta! Eu sou a Revolução! – O Dragão Vermelho suspirou - E Eu consegui, tão simples
quanto criar um universo, Eu fiz a humanidade renascer na forma
mais odiosa que Deus jamais pode imaginar! Um ser que pensa por si mesmo, que
sabe distinguir o certo e o errado por conta própria. – Gabriel não sabia o que
dizer, permaneceu estático enquanto aquelas palavras penetravam sua mente – “Sou um
culpado, sou um buraco onde os fracos jogam sua incompetência”. – O Diabo caminhou até sua
poltrona, sentando-se acompanhado de uma calma implacável. Suas emoções
emergiam e encolhiam aleatoriamente, Gabriel não sabia dizer se era uma
bipolaridade, ou se, em certos momentos, a vontade de gritar superava sua
postura social de “dono do inferno” – Eu não seduzo com promessas e presentes, só
tenho a decência de apresentar meu lado, normalmente funciona.
- Por que eu deveria acreditar em você? Você pode
estar muito bem mentindo!
- Por que acreditar em mim? - A Estrela da Manhã sorriu - Porque você
não está queimando... diga que isso é mentira?
- Você só está se esquivando! – Respondeu Gabriel
- Estou apresentando meu lado, não me importa se
você acredita ou não. Faça o que quiser, pense o que quiser, não faz diferença
pra mim.
- Então, qual é o seu objetivo? – Perguntou Gabriel
– Não é possível que esteja aí sentado, esperando seja lá o que!
- Você está certo, esperei demais. – Admitiu o Diabo – Meu único ato
relevante foi no Jardim do Éden. Para trocar socos com anjos não é preciso
coragem, são apenas irmãos, Deus era um ponto a ser alcançado. Quando cheguei
aos pés de seu trono, Eu estava coberto de sangue, Eu o encarei, meus
olhos queimavam pela luz, nunca chorei tanto quanto naquela hora. O Senhor não
me deixou falar, Ele me derrubou, me lançou contra a terra... – Sua voz foi
ficando cada vez mais animada - Foi uma batalha daquelas, você tinha que ter
visto, Eu acertei um gancho no
Miguel, mano, que gancho foi aquele! – Ele gesticulava, frenético, dando socos no
ar, simulando como havia feito – Eu lembro dos dentes dele voando, também
levei uma surra, mas aquele gancho foi histórico, merecia uma passagem na
Bíblia. Quando fomos para a guerra, pintamos nossas asas de preto, para nos
diferenciar dos que lutavam ao lado de Deus... - Gabriel bufou – Já chego nessa
parte, calma, sobre o que eu quero... – O Diabo respirou fundo - Quero que
parem de idolatrar, quero que parem de tratar um sádico como perfeito! Já
esperei demais, bebi demais, me droguei demais, mantenho um sistema de captação
e distribuição de pecadores para suas devidas áreas, engenheiros, químicos, professores,
todos têm de ser mandados para suas devidas áreas, muitas crianças morrem antes
de completarem o ensino médio, e hoje em dia, 90% deles vem pra cá. Você não
tem ideia de como manter tudo isso me dá trabalho!
- Estou vendo. – Disse Gabriel, sarcasticamente
- Nunca pensei que a Ciência pudesse ser um
adversário a religião. Mesmo assim, os ateus não vão vencer, como você deve
perceber, Deus existe, e provar sua inexistência é a busca do ateísmo. Deus é ainda
é visto como bondoso, e vou ter que mudar essa mentalidade. – O Diabo se ajeitou na
poltrona – Eu vou semear a verdade, e dela colherei
os frutos da a desgraça divina.
- Você está mentindo. – Acusou Gabriel
- Não vou cair nisso!
Por um momento, o Diabo relaxou, como se
tivesse desistido.
- Continue. – Instigou o Sobrinho de Deus
- Não tente me trazer para o seu lado.
Tenho Deus em meu coração, tenho sua luz no meu caminho. – Gabriel tinha ouvido
essa frase num culto
O Diabo ergueu a mão, como um aluno chamando a
atenção do professor.
- E porque você está aqui mesmo?
Gabriel não hesitou.
- Porque pequei.
Diabo fez um biquinho.
- Mas você é um garoto tão bonzinho, só
por isso você está aqui. Você merecia receber uma chance de se redimir, mas ao
invés disso, recebeu um carro.
Gabriel se levantou.
- É a vontade de Deus, eu estava
negando isso, mas agora sei que eu estava errado. Se estou aqui, é porque
mereço, e vou receber minha punição.
- Não fique assim. – Disse o Diabo, levantou-se e se aproximando
de Gabriel, segurou suas bochechas, as puxando levemente, esticando seu rosto.
Por algum motivo, Gabriel não conseguia impedi-lo – Não fique assim. – Repetiu
– Deus te ama incondicionalmente. – Gabriel se afastou abruptamente, dando as
costas para o Canhoto – Eu sei que é difícil aceitar tanto
amor...
- Cale a boca! –
Gritou Gabriel, numa explosão incomum de ira, toda uma carga de stress,
acumulada desde a fila de espera, podia não ser o inferno que esperava, mas
ainda era o inferno, e aquilo lhe trazia todo um pânico, que ao longo do tempo
em que estivera ali, foi crescendo e se acumulando, até estourar como uma bolha
de fúria – Quem é você pra julgá-lo?!
Com um sorriso, o Sobrinho de Deus respondeu:
- Fui o primeiro que seguiu os próprios
princípios, sou aquele que enfrentou as consequências de seus atos, sou aquele
que parou de temer o que achava ser certo, sou o primeiro que colocou a razão em
pratica!
Gabriel fechou os olhos por alguns
segundos.
- Estou perdido, Deus, preciso de
apoio. – Pensou Gabriel Como em toda a sua vida, não ouve resposta. Já era de
se esperar, mesmo assim, Gabriel esperava sentir alguma coisa, qualquer coisa
que o fizesse se sentir melhor naquela situação, mas nada veio. Gabriel se dirigiu
ao divã. - Se importa? – Perguntou ele
- Fique à vontade. – Respondeu o Sobrinho. Gabriel se sentou no
divã, abaixou a cabeça, apoiou os cotovelos nos joelhos enquanto segurava o
rosto com as duas mãos – Quer alguma coisa? Uma água, um vinho...
- Eu quero acordar numa cama de
hospital, e descobrir que aquele carro não me matou.
Lúcifer encarou Gabriel por
um momento.
- Eu vou pegar uma água. – Disse se
virando
- Diabo. – Chamou Gabriel, ainda com as mãos
no rosto
A Estrela da Manhã parou, se virou, seus
olhos brilhavam em contraponto com as luzes da sala.
- Diga.
- O que vai acontecer comigo?
- Ainda estou pensando nisso. –
Respondeu Ele - Talvez, só talvez,
vai valer a pena.
- O que vai valer a pena?
Lúcifer abriu uma garrafa de vinho.
- Pensando bem, quem bebe água hoje em
dia? – Perguntou sorrindo, então encheu
um cálice e o estendeu ao alcance de Gabriel
- Eu não bebo. – Disse Gabriel
- Não é o que a sua namorada acha. –
Provocou
Gabriel fechou a cara.
- Como sabe disso?
- Eu sou Legião. – Respondeu – Se
beber comigo, te explico sobre esse lugar, e sobre o que vai acontecer com você.
- Gabriel olhou nos olhos dele, abaixou o olhar para sua mão, onde jazia o
cálice, finalmente pegou a bebida – Você acaba de aceitar um presente do Diabo. Percebeu isso?
Gabriel olhou o interior do cálice.
- Eu
já estou no inferno. – Respondeu antes de beber um gole
O Diabo se sentou, Gabriel devolveu o cálice e
deitou-se no divã.
- Muito bem, podemos começar? –
Perguntou a Gabriel, como resposta, ele fez um sinal positivo com o polegar –
Muito bem, qual é o seu nome mesmo? Não responda, lembrei aqui, é Gabriel... –
Gabriel repetiu o sinal com a mão – Qual é a sua comida favorita?
- Sorvete.
- Por que?
- Por que é bom.
Satã piscou algumas vezes.
- Excelente resposta... – Gabriel o
olhou com desdém – É sério, gostei mesmo. -
O olhar de desdém continuava – Está bem, voltando um pouco, o que acha
que vai acontecer com você?
- Que a qualquer momento vou acordar
numa cama de hospital.
O Diabo sorriu, um sorriso que escondia
os dentes. Ele ergueu o indicador na altura dos
lábios, lentamente, apontou esse mesmo dedo para o rosto de Gabriel.
- Por que eu faria isso? – Perguntou o Diabo
- Então quer dizer que você pode.
O Diabo ficou retorceu os lábios, ainda
com o apontando o dedo, virou o rosto.
- Merda. – Resmungou o Diabo
Gabriel coçou a cabeça.
- Eu devia bater em você, mas não quero
fazer isso. – Disse Gabriel – Não sei se quero chorar, não sei se quero rir, é
como se eu fosse, uma nuvem carregada, e estivesse chovendo... – Gabriel não
estava conseguindo se expressar, ele fazia uma pausa a cada duas palavras – Só que,
as gotas não são água... seria, mais como cimento, denso, pegajoso, pesado, e
aquilo, está... saindo de mim...
- É só tomar um gole de vinho que já fica
assim... – Murmurou a Diabo
- Eu ouvi o que você disse. – Resmungou
Gabriel
O Estrela da Manhã sorriu forçadamente
durante alguns segundos.
- Foda-se! – Exclamou Ele, fechando a cara
- Estou me sentindo mal. – Disse
Gabriel, sentindo uma ânsia de vomito, fraca, porém constante – Será que a
gente não pode resolver isso logo?
- Já que insiste. – Gabriel o olhou nos
olhos, pareciam dois abismos, Gabriel teve a impressão de que eles o engoliriam
– Gabriel. – Chamou o Diabo
- Sim?
- Quer um sorvete? - Suas pupilas
pareciam dilatar de acordo com a sua vontade, quando perguntou, o castanho de
seus olhos foram completamente engolidos pelo preto de suas pupilas
- Quero. – Respondeu Gabriel
- Tem alguma preferência?
- Me surpreenda.
- Gostei disso. – Disse o Sobrinho de Deus. Ele saiu da sala,
voltando logo depois, com um pote de sorvete de um litro, daqueles que parecem
um tijolo congelado – Gabriel! Pega! – Então arremessou o pote do outro lado da
sala.
Gabriel,
que até então mantinha os olhos fechados, virou o rosto, vendo o projétil vindo
em sua direção. Com um reflexo, conseguiu segura-lo com as mãos, todo errado, o
pote gelado escapou e caiu sobre seu peito. A tampa se soltou, Gabriel tomou um
susto, seus ombros se encolheram, mas o sorvete não caiu sobre ele, apenas se
parou sobre suas pernas. Era de chocolate.
- Eu pedi pra e surpreender... mas não
esperava esse tipo de surpresa. – Disse Gabriel enquanto se sentava no divã
- Surpresa é surpresa. – Disse passando
uma colher para Gabriel
- Não tem problema em comer direto do
pote? – Perguntou Gabriel
Lúcifer apertou os lábios, o
que arredondou seu rosto.
- Acho que você tem mais com o que se
preocupar. - Gabriel pegou uma colherada e a colocou na boca. Estava gostoso -
Me diga Gabriel, como está se sentindo?
- Confuso. – Respondeu – Estou pensando
sobre o que você disse.
- Sobre o que mesmo?
Gabriel deixou o sorvete de lado.
- Sobre Deus. – Respondeu
- E o que você pensa sobre Deus? -
Gabriel não respondeu – Vou reformular minha pergunta: O que você pensava sobre
Deus antes de conversarmos?
- O que todos pensam.
- E o que todos pensam?
- Normalmente não pensam muito,
geralmente só escutam e repetem.
- E você faz parte desse geral? –
Gabriel cravou a colher dentro do sorvete, se levantou e deixou o pote sobre o
colo do Diabo
- Obrigado por tudo, mas eu tenho que
ir. – Disse se virando
- Não querendo ser metido, mas já
sendo, até onde acha que vai conseguir ir?
- Até minha cama de hospital.
-
Está realmente fissurado com essa ideia. – Disse o Sobrinho – Gabriel, volte aqui!
Gabriel! Porra Gabriel...! Não me deixe falando sozinho!!
Gabriel
abriu a porta por onde havia entrado. Ele sentiu vontade de ver Amanda, nem que
fosse para lançar spray de pimenta em seu rosto. Gabriel teve uma esperança de que
ela o ajudaria de alguma forma, o que seria improvável, mas depois do que o Diabo contara seu lado da
história, seja ela mentirosa ou não, nada mais parecia improvável.
- Isso é uma loucura. – Pensou Gabriel
enquanto girava a maçaneta. Assim que o fez, sentiu uma mão lhe segurar pelo
braço, Gabriel virou o rosto - Eu vou sair daqui, vou cavar até a superfície se
for necessário!
O Diabo o olhou nos olhos.
- Não precisa, pode usar o elevador. - Gabriel
afastou sua mão com um movimento do braço – Tenho uma proposta pra você.
- Por que sinto que não vou gostar?
- Ah, vai sim. – O Diabo sorriu – Vai querer
me ouvir? – Gabriel se virou para Ele, em seguida assentindo com um
movimento de cabeça – Uma semana. Eu te dou uma semana para pensar, e depois
desses sete dias, você vai me dizer em qual história você acredita.
Todos
os padres, pastores, rabinos, papas, profetas, freiras, gurus, coroinhas,
bispos, santos e anjos, todos gritavam para dizer não, sua espirito cristão
gritava para dizer não, a fé dentro dele chutava seu saco de dentro para fora
enquanto negava. Mas sua mente abriu espaço tal qual Moisés com o mar vermelho,
e de sua boca veio a resposta:
- Ok.
O Diabo lhe estendeu a mão, Gabriel a segurou.
Pode-se dizer que isso
é o FIM
PS: NÃO SOU SATANISTA
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