domingo, 1 de maio de 2016

1.3.7.6

Erico L. Kneubühler





1.3.7.6
















AVISO: NÃO RECOMENDADO EM CASO DE FANATISMO RELIGIOSO, RETENÇÃO ANAL, ANTI-HUMOR NEGRO, E PARA MENORES DE 16 ANOS.






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Capitulo 1: O Travesti e o Neonazista 




Dia 24 de abril de 2016, a cidade de Jaraguá do Sul, situada ao nordeste do estado de Santa Catarina, estava passando por mais um dia de outono. 16:51 da tarde, o dia havia sido quente, o sol havia derramado uma luz intensa, que deu a cidade um tom dourado. O calçadão de Jaraguá do Sul, formado por duas calçadas de paralelepípedo cortadas por uma rua lisa de asfalto, dezenas de lojas exibiam letreiros que faziam arcos sobre a calçada, algumas arvores e mesas redondas com guarda-sóis, cercadas por cadeiras limpas de madeira envernizada. É um lugar charmoso, pessoas despojadas caminhavam por entre os haitianos e os hippies modernos, que mostravam seus colares, anéis, pingentes, esculturas, e ao mesmo tempo atualizavam seu twitter. Na praça, tendas de camelôs vendendo bolsas e roupas, pipoqueiros na praça da antiga prefeitura, e pequenas sorveterias que vendem excelentes milk-shakes.
Escondido debaixo de um boné de aba curva, caminhava uma figura jovem, na faixa dos vinte e dois anos, vestindo uma regata azul com a gola em “V”, uma bermuda bege e um par de tênis surrados. Gabriel, saiu de casa para encontrar dois amigos, mantinha os olhos azuis atentos ao fluxo de pessoas, frequentemente desviando de um e outro grupo. Em certo momento, seu telefone tocou, ao tirar o celular do bolso, viu que era sua namorada, Bianca. Ele atendeu:
- Fala amor.
- Amor, onde você disse que ia mesmo? – Perguntou ela, com a voz que dava a entender que estava envergonhada por ter esquecido
- Encontrar meus amigos. – Respondeu Gabriel apoiando-se numa árvore
- Que amigos mesmo? – O tom de voz de Bianca ficou mais sério
- O Vitor e o Guilherme, no calçadão, perto daquela loja de colchões.
- Entendi, vai ficar com eles até tarde?
- Um pouquinho, até as sete.
- Vocês vão beber? – A pergunta soou como uma acusação
- Não, amor, não vou.
- Você sabe muito bem o que aconteceu da última vez!
Gabriel afastou o celular do ouvido, respirou fundo, ele sorriu e recolocou o telefone no ouvido.
- Eu não quero falar disso, eu to vendo eles, eles estão acenando. – Mentiu Gabriel, ele continuava parado desde que atendeu a ligação. Sentindo que só iria piorar, precisava por um fim na conversa – Tenho que ir, beijo gata.
Ouve um silêncio do outro lado da linha... Um, dois, três, quatro segundos...
- Beijo. – Disse ela enfim, e desligou o celular
Gabriel olhou para o céu.
- Desculpe por mentir... – Murmurou para Deus
         Gabriel se dirigiu a atravessar a rua a passos rápidos, enquanto o fazia, uma mulher passou correndo pela calçada, morena de cabelo longo e amarrado, fones de ouvido, vestindo uma regata branca, tênis de corrida e uma calça suplex preta, justa em seu quadril largo. Enquanto atravessava a rua, Gabriel ficou hipnotizado pelo movimento.
- Obrigado Senhor. – Pensou ele com um sorriso safado no rosto
         Seu pensamento terminou exatamente no meio da rua, quando o “Senhor” foi finalizado. Uma buzina soou a sua direita, quando virou o rosto, já havia sido atingido por um carro em alta velocidade. O carro o atingiu na bacia, ele voou sobre o capo, atingiu o vidro da frente, rolou sobre o teto e caiu, entre a calçada e o asfalto, acertando a cabeça num hidrante, quebrando o pescoço e afundando o crânio. Dois assaltantes roubaram uma BMW e estavam fugindo de uma viatura da polícia que vinha logo atrás, mas que interrompeu a perseguição para socorrer o acidentado. Um grupo de pessoas se reuniu em volta, alguns recuaram com nojo da cena. Gabriel agonizava no meio fio, vazando sangue pela cabeça, aos poucos, os espasmos cessaram. O policial veio correndo, se abaixou ao lado de Gabriel e checou seus sinais vitais.
O policial ergueu os olhos, vendo e ouvindo uma mulher chamar uma ambulancia, ele abaixou o olhar e fechou os olhos de Gabriel.
- Acho que não vai precisar. – Pensou o policial balançando a cabeça negativamente

Gabriel abriu os olhos.
A sua frente, uma parede lisa e escura, ele estava sentado num longo banco que percorria todo um corredor, Gabriel olhou para os lados, a sua direita, haviam pelo menos uma centena de pessoas, todas estáticas, com os olhos voltados a parede. Gabriel voltou a olhar para a parede, notando que a cada dez metros havia um monitor de sessenta polegadas, em todos mostrava o número 1.2.9.8 em negrito, vermelho sangue e numa fonte Agency FB.
- Que porcaria é essa? – Murmurou Gabriel deixando a boca meio aberta assim que terminou de falar
- O que foi querido? – Disse alguém ao seu lado, sua voz lembrava a do pato Donald
Gabriel virou o rosto lentamente, a sua esquerda, uma “mulher”, de longos cabelos pretos e lisos, pele morena, peitos gigantes, uma maquiagem pesada, vestindo lycra e couro. De fato, um travesti, Gabriel notou na hora.
- O que? – Gaguejou ele
- Você disse alguma coisa. – Respondeu a “Mulher” – E eu perguntei, o que foi querido?
Gabriel travou na hora.
- Eu... – Continuou Gaguejando – Não, não, eu só, sabe, to confuso.
- Eu também. – Disse o travesti, estendendo a mão – Eu sou Gustavo. – Gabriel aceitou o cumprimento, sentindo os calos na mão do trabalhador noturno – Mas pode me chamar de Lince. – Disse sorrindo
Os calos não incomodaram Gabriel, mas o “Lince” o deixou um tanto sem graça.
- Gabriel, mas pode me chamar de Gabriel. – Apresentou-se. Gustavo acenou positivamente com a cabeça. Depois de um breve silêncio, os dois se voltaram para os monitores – O que eu estou fazendo aqui? – Pensou Gabriel ainda encarando o monitor. O corredor tinha seis metros de largura, acima dos bancos, pequenos focos de luz vermelha iluminavam os que estavam sentados. Gabriel tateou os bolsos procurando seu celular, mas estava sem bateria – Estranho. – Murmurou ele, voltando-se para Gustavo – Estava com a bateria cheia quando saí de casa. 
Gabriel arregalou os olhos, a imagem da mulher de suplex correndo invadiu sua mente, em seguida sentiu comichão na região da bacia. Apalpou a própria cintura, fechou os olhos, forçando a cérebro a lembrar o que havia acontecido, mas era inútil, não conseguia captar nada além do som de uma buzina. Gabriel devolveu o celular ao bolso, quando o fez, reparou que havia um broche no lado direito do peito, um disco branco com as bordas pretas, cortadas por um pentagrama, sobre o a linha horizontal, estavam os números 1.3.7.6, em vermelho vivo. Ele ergueu o olhar, os monitores mostravam o número 1.3.0.1, voltou o olhar para Gustavo, que se manteve impassível durante toda a ação de Gabriel, apenas mostrou o seu broche, com o número 1.3.7.7.
- É, eu sei. – Murmurou Gustavo, deixando sua voz de pato mais esganiçada – Eu só queria saber até onde essa fila vai.
Abaixo dos monitores uma seta piscando em vermelho apontava para a direita. Ao encarar tal direção, ao longe, conseguia enxergar o fim do corredor, que dava para uma porta de vidro fume. A cada pessoa que entrava, o fim do corredor parecia chegar mais perto. Acima da porta havia uma placa, Gabriel não conseguia enxergar as letras, mas lá estava escrito:

.oãçpeceR
adamahc ed oremún ues erepsE

Da porta até Gabriel, haviam exatas setenta e cinco pessoas, todas sentadas no imenso banco de metal sem acolchoamento, encostado na parede do corredor, que se erguia por quase sete metros de altura e terminava num teto arqueado com uma série de caixas de som presas de cabeça para baixo, que não estavam sendo usadas por conta de um problema na fiação, e passavam por uma manutenção. Enquanto Gabriel observava a aparelhagem de som, o homem sentado do lado direito o cutucou no braço usando o cotovelo.
- Ei, você tem fogo? – Quando Gabriel olhou o homem, engoliu em seco
Não sabia como não havia reparado nele antes, a poucos centímetros de distância, uma verdadeira fusão de um skinhead com um neonazista. Caucasiano, completamente careca com uma suástica tatuada na testa, pesando cento e vinte quilos, sem camisa, (Detalhe: o broche com o número 1.3.7.5 estava colado no mamilo dele). Com o corpo coberto de cicatrizes e tatuagens, tinha o rosto redondo e amassado de brigas, sua barba negra e crespa chegava no pescoço, decorado com um pingente de soco-inglês em tamanho real. Sentado, ele era dez centímetros mais alto que Gabriel, sendo que Gabriel era alto, tinha um metro e noventa. Já nosso querido “Charles Manson”, tinha mais de dois metros de altura. Gabriel se sentiu agredido, chegou a se encolher enquanto gaguejava:
- O que?
- Fogo. – Repetiu o gordão – Isqueiro, fósforo, qualquer coisa. – Ele segurava um maço de cigarros na mão. Antes que Gabriel tivesse a chance de responder, Gustavo estendeu um isqueiro na direção do Calvo Amistoso. Ele olhou para a figura transvestida com nojo – Prefiro ficar sem fumar. – E virou o rosto
Gabriel pegou o isqueiro das mãos de Gustavo.
- Aqui. – Disse estendendo o isqueiro para o “Derek Vinyard” de cento e vinte quilos – Pode usar o meu. – Ele se voltou para Gabriel, abrindo um sorriso de dentes amarelados e pivôs de metal
- Obrigado cara. – Agradeceu o Nazi acendendo um cigarro – Quer um?
- Não, não, to bem assim. – Gabriel não fumava
- Mesmo? – Insistiu ele, estendo o maço de cigarros
- Mesmo. – Negando o cigarro, pegou o isqueiro de volta e o devolveu discretamente a Gustavo, lhe lançando um olhar de: “Então né... Fazer o que?”
- Quem é você? – Perguntou o Nazi depois de iniciar seu cigarro
Gabriel estremeceu, ele se sentia indiretamente atacado com a presença daquele homem.
- Gabriel. – Respondeu – Você sabe...
- Eduardo. – Interrompeu ele
- Oi? – Gaguejou Gabriel
- Eduardo, meu nome. – Explicou ele com o olhar fixo e constantemente sério, com a testa enrugada pela posição das sobrancelhas – Você ia dizer alguma coisa?
Gabriel travou por um momento.
- Você sabe que lugar é esse?
Eduardo levou dois segundos para responder:
- Não. Nem sei como cheguei nessa porcaria de lugar, me parece um puteiro pra viados.
- Você por acaso já visitou um? – Pensou Gabriel, não tinha coragem de falar isso para um homem com uma suástica na testa
- Eu só lembro das sirenes.
- Sirenes? – Repetiu Gabriel, expressando certa curiosidade
- Sim. – Disse levando a mão até a testa, esfregando com ferocidade – Eu fui sair com um traste, um irmão de tatuagem. – Ele apontou para a suástica na testa – Ele fez a minha, eu fiz a dele. Não importa, a gente saiu pra beber, e a gente tomou muitas, até nóis vê um preto pedindo esmola na rua. Eu esfreguei a cara daquele merda no asfalto, deixei o preto vermelho. – E em seguida fez um “ha!” com a boca – Tá vendo essa bota aqui? – Perguntou ele apontando para o s coturno que estava usando – Eu afundei isso na cara daquele macaco. – Gabriel estava passando por um pânico interno, seu rosto permanecia impassível, mas sua mente e seus orifícios gritavam para ele rezar todas as preces que conhecia enquanto corria até o para outro continente – Depois vieram as sirenes, e eu acordei aqui... – Eduardo tragou seu cigarro, soltando a fumaça pelo nariz enquanto franzia a testa – E você?
Gabriel deixou o queixo cair.
- Eu vi uma gostosa, ouvi uma buzina, e acordei aqui. – Eduardo assentiu enquanto esfregava os dentes com a língua 
- Nunca me senti tão grato por não ser negro. – Pensou Gabriel sentindo-se meio racista
Um som parecido com um estouro agudo e metálico saiu das caixas de som, foi um susto coletivo, alguns, incluindo Gabriel, tiveram um espasmo. Em seguida, começou a tocar músicas de Roberto Carlos, Gabriel achou estranho, Gustavo não demonstrou reação, já Eduardo repudiou o som.
- Que lixo é esse?! – Exclamou ele – Quem canta isso? – Perguntou a Gabriel
- Dependendo da resposta, você vai me matar? 
Eduardo se mostrou um tanto confuso com a pergunta.
- Não entendi, dependendo da minha resposta eu vou te matar?
Gabriel pensou por um momento.
- Eu acho que é Roberto Carlos.
Ouve um breve silêncio, Eduardo olhou os monitores, olhou Gabriel, e então falou:
- Ok.
Era uma maluquice, as músicas passavam de Roberto Carlos para Nirvana, Nirvana para Robert Johnson, e Robert Johnson para The Doors. Não havia um clima a ser mantido, de um rock intenso para um blues de boteco de estrada da década de trinta.
Era uma maluquice musical.

Aos olhos de Gabriel, o fim do corredor parecia vir lentamente em sua direção, como se a cada pessoa que atravessasse a porta, o corredor engolisse aquele espaço. Aparentemente, ninguém ali tinha alguma noção de tempo, não sabiam dizer se esperavam a uma, duas ou dez horas naquela fila, celulares não tinham bateria, relógios simplesmente pararam de funcionar, tudo que parecia se mover eram os números nos monitores e o fim do corredor. Gabriel estava tendo uma dificuldade absurda em se manter atento a qualquer coisa, não conseguia ficar olhando os números nos monitores, seu cérebro desligava, pulava para outro universo, como se estivesse numa aula muito chata. Enquanto “viajava” no mesmo ponto, não percebeu que seu número estava próximo.
Gustavo o segurou pelo braço.
- Ei. – Chamou ele apontando para os televisores – Melhor ficar ligado.
Gabriel olhou para os monitores, eles marcavam 1.3.7.5. Ele olhou Eduardo, só então percebendo que a porta estava do seu lado, Eduardo olhou na direção dos monitores, em seguida descolou o broche do mamilo. Ele se levantou, as portas de correr se abriram automaticamente, ele entrou, e a porta se fechou. O fim do corredor chegou mais perto, engolindo a parte do banco onde antes estava Eduardo. Enquanto o silêncio entre as pessoas se mantinha pleno, apenas o “Come as you are” de Nirvana atravessa o silêncio do corredor, quando a música teve seu fim, os monitores passaram a mostrar 1.3.7.6.
- Então... – Disse Gabriel, se voltando para Gustavo – Eu acho que é isso.
- É... Foi legal te conhecer. – Disse Gustavo. Ouve um silêncio entre os dois – Então, a gente vai poder conversar a sós algum dia.
Gabriel sorriu.
- Não vai rolar cara, foi mal. – Gugu não se mostrou frustrado, apenas estendeu a mão, Gabriel a aceitou – A gente se esbarra por aí.
Então se levantou, ficando de frente para a porta, que lentamente se abriu, e ao som de “Me and the Devil Blues” de Robert Johnson, ele atravessou a porta.







Capitulo 2: Não era bem isso que eu Imaginava




Assim que a porta se fechou atrás dele, a lenta melodia de Robert Johnson desapareceu por completo. Tomando seu lugar, uma serena sinfonia de Paganini. Uma recepção, meio escritório, meio hall de entrada, limpa e organizada, escura, com algumas luzes vermelhas nos cantos da sala. Através de um tapete, que ligava a porta a uma mesa do outro lado do ambiente, numa distância de mais ou menos cinco metros. Gabriel caminhou através do tapete, sentada atrás da mesa, havia uma mulher.
Uma mulher com chifres na cabeça.
Gabriel arregalou os olhos, podia ser uma mulher absurdamente bonita, podia estar vestida como uma secretária, sabe como é, camisa social fechada até o pescoço, podia ser o delírio da firma, mas continuava tendo um par de chifres na cabeça. E Gabriel não conseguia tirar os olhos deles. Uma latina de pele morena, cabelos pretos encaracolados, amarrados num coque que, como direi, um tanto despenteado. Atrás dos finos óculos, um par de olhos castanhos. Ela desviou o olhar do computador, encarando Gabriel nos olhos, que por um momento, se tornaram dourados.
- Nome? – Perguntou ela, séria e ríspida
Gabriel despertou do transe dos chifres, sacudindo a cabeça e olhando nos olhos dela.
- Eu... Eu... Gabriel, meu nome, Gabriel, isso, é, Gabriel. – Disse balançando a cabeça positivamente. Gabriel nunca se atrapalhou tanto com as palavras
- E qual desses é o seu nome? – Ela olhava Gabriel com desdém
- Gabriel. – Respondeu tentado a voltar a encarar os chifres
- Sobrenome.
- Walter Ziemman.
- Soletre.
Enquanto Gabriel o fazia, ela digitava, após uma série de cliques, ela voltou a encarar Gabriel, que havia voltado a encarar seus chifres. Finos e pontudos, saiam do topo da testa e entortavam para trás. Ela notou que os olhos de Gabriel estavam congelados em sua testa, ela estalou os dedos, chamando sua atenção.
- Muito bem Gabriel Walter Ziemman, somos bem diretos aqui. – Gabriel assentiu – O senhor está morto e aqui é o inferno.
Gabriel piscou algumas vezes, olhou ao redor, notando que a sinfonia vinha de um home theater posto sobre uma mesa próxima a uma das paredes. Voltou a olhar a secretária, baixou o olhar para a mesa, cheia de coisinhas de escritório, incluindo uma placa, onde estava escrito, em uma fonte bem pequena:

,onrefnI ao odniv meB
J asac me es-atniS

Gabriel levou algum tempo para decifrar o que estava escrito.
- Já terminou? – Perguntou a secretária
- Por que está escrito assim?
Ela revirou os olhos.
- Coisa do Chefe.
- Ah, tá bom, quem é o seu Chefe mesmo?
- Olha garoto, eu vou repetir, você está no inferno.
Gabriel tirou o boné.
- Eu não estou no inferno. – Negou ele, incrédulo
- Está sim.
- Não estou. – Insistiu
- Está sim.
- Não estou, eu não estou no inferno!
A secretária levou os óculos a ponta do nariz.
- Pare de ser infantil. – Ela bebeu um pouco de álcool industrial 99,8% num copo quadrado, que coincidentemente tinha uma tira vermelha escrito: Álcool Industrial 99,8% – Escuta, eu sou uma súcubo, um demônio sexual, mas ao invés de transar e roubar a energia vital de algum gostoso, eu escolhi trabalhar como secretária aqui, o trigésimo sexto Centro de Seleção e Direcionamento de Pecadores não Arrependidos, o CSDPA, como os idiotas do TI costumam se referir.
Durante alguns segundos, todo o som no ambiente vinha do home theater.
- E qual é o seu nome? – Perguntou Gabriel, um tanto sereno
A expressão da súcubo suavizou um pouco.
- Amanda. – Gabriel segurou o riso com a mão – Algum problema com meu nome?
- Não, não, é que, sabe, eu esperava algo mais... exótico...
Amanda colocou a língua bifurcada entre os dentes.
- Eu ia te mandar para o inferno, mas não vai mudar muita coisa... – Ela abriu um sorriso maldoso, em seguida fechou a cara – Já que esse é o meu trabalho! – Então riu muito alto, fazendo uma cara maldosamente forçada – Seu babaca... – Murmurou secamente
- Eu posso me sentar? – Perguntou Gabriel, apontando para a cadeira de metal a frente da mesa. Amando o ignorou, começou a ler os registros – Ok... – Murmurou antes de se sentar, a cadeira era um tanto desconfortável
- Gabriel Walter Ziemman, pecados não arrependidos... Você cobiçou a mulher do próximo, pronunciou o nome de Deus em vão, se bem que não contamos esse, se contássemos, teríamos uma coleção de cristãos aqui em baixo.
Gabriel estava de boca aberta.
- Eu cobicei a mulher do próximo?
- Cobiçou, tem até uma foto anexada. – Amanda virou a tela do computador, mostrando uma foto da mulher de suplex – Vou te falar, eu pegava fácil. Lorena Santos, casou recentemente, católica, seios naturais, come de três em três horas, escova os dentes após as refeições, uma hora de corrida por dia, trabalha como recepcionista numa loja de aparelhos eletrônicos, seu hobby é ler romances policiais, colecionadora de chaveiros de gatinho.
- Isso tudo está escrito aí? – Perguntou Gabriel
- Aham. – Respondeu Amanda – É que tem um arquivo anexo na foto que foi anexada no seu perfil. – Amanda estralou o pescoço – Espero que tenha curtido a olhada na bunda dela, mas como você morreu em seguida, por um aparente traumatismo craniano, causado por uma BMW e um belo hidrante vermelho. Sendo que você não pediu perdão pelo seu ato pecaminoso em vida, bem, você está aqui agora.
Gabriel começou a se desesperar.
- Não, não, não, não, não, isso não está acontecendo... Não! Isso não é real!! – Conforme falava, seu tom de voz foi aumentando, até estar gritando na última frase
Amanda pegou uma lata de spray de sobre a mesa e esguichou no rosto de Gabriel, que gritou de dor, segurando o rosto. Amando continuou esguichando por mais alguns segundos.
- É pra você calar a boca e se acalmar.
- O que é isso?! – Perguntou Gabriel entre os gritos
- Eu acho que é spray de pimenta, ouvi dizer que os PMs no Brasil adoram. – Esfregando o rosto, que ardia por completo, os olhos ficaram vermelhos e logo inchariam, o nariz e a boca pareciam estar pegando fogo – Aquela cobiçada valeu mesmo a pena?
- O que você define como cobiçar? – Choramingou Gabriel esfregando os olhos
Amanda piscou algumas vezes.
- Como é? – Perguntou ela
- Eu só queria saber se pensar em uma mulher já é cobiçar.
Amanda se sentiu iluminada.
- Eu não tinha pensado nisso. – Ela se voltou para o computador – Deve ter alguma coisa aqui. – Buscando nos versículos da Bíblia em seu computador, não demorou muito até encontrar algo – Mateus 5:28.Eu, porém, vos digo, que qualquer que olhar para uma mulher com intenção impura, em seu coração, já cometeu adultério com ela...”. – Amanda encarou Gabriel – Não tem jeito, espero que aproveite a sua estadia aqui. – Gabriel deixou a testa atingir a mesa, então continuou a choramingar – Tem um arquivo anexado nessa passagem. – Gabriel ergueu o rosto inchado – É do Chefe: Não leve em conta as palavras de Mateus, ele não era Jesus, muito menos Deus. – Amanda voltou a encarar Gabriel – Eu nunca entendi porque ele gosta tanto dessa fonte Agency FB em negrito. – Gabriel começou a chorar, não sabia direito porque, se pela situação ou pela pimenta – O que você acha?
Chorando, ele respondeu:
- Eu não sei! Eu não sei! – E voltou a bater a cabeça na mesa
- Nunca passei por isso antes. – Admitiu Amanda – Só um minuto. – Pediu ela
- Tudo bem, eu posso esperar. – Murmurou Gabriel ainda com a testa na mesa
Amanda pegou o telefone vermelho e começou a discar: 616.
- Aqui é do setor trinta e seis... – Começou ela – Sim, Amanda... Estou com um problema de envio... Exato, estou num impasse aqui... Impasse... Caralho, como você não sabe o que é impasse, você é idiota por acaso? Como você conseguiu esse emprego? Escuta, eu não sei se foi um erro esse cara vir aqui... Olha, eu não posso fazer ele descer sem uma confirmação, eu preciso do Chefe aqui... Como assim Ele não pode? O que aquele puto faz da vida além de beber e se pagar de Sobrinho de Deus?!... Como se fosse grande coisa, faz o seguinte, chama Ele assim mesmo... Como? Que outro? Me diz o nome! – Em seguida, apenas o “bip” de uma ligação finalizada. Ainda com o telefone na orelha, ela lançou os olhos sobre Gabriel – Ela desligou na minha cara...
- É... – Murmurou Gabriel – Eu sei, é chato quando acontece...

Dez minutos depois.
- Por que essa música? – Perguntou Gabriel
- Niccolò Paganini, três vezes por semana, tem que tocar essas sinfonias, é uma clausula do contrato.
- E o que toca nos outros dias?
- Minha playlist. – Respondeu Amanda, sem dar muita importância
Do lado direito da sala, havia um elevador, que após a resposta de Amanda, se abriu, saindo um homem vestindo uma toga romana e uma coroa de louros na cabeça, de cabelo castanho encaracolado, nariz torto e expressão que praticamente gritava a palavra: “PERIGO!!”
Amanda arregalou os olhos.
- Não! – Exclamou ela – Não, não, não! Volta pra dentro desse elevador!! – Exigiu ela, apontando o indicador para o romano
- Vim pra resolver o problema. – Disse o Romano, com uma voz esganiçada
Gabriel já estava completamente perdido.
- Você nem cristão era! – Exclamou Amanda – Eu prefiro o Stalin! – Amanda pegou o telefone vermelho, discou o número da central, mas ninguém atendeu
- Vocês se conhecem? – Perguntou Gabriel, um tanto inocente
O Romano lançou um sorriso para Gabriel.
- Então. – Disse ele, se aproximando de Gabriel e sentando no seu colo – Muito prazer, Caio Júlio César Augusto Germânico... – Gabriel arqueou o corpo para trás
- Gabriel... Por gentileza, pode sair do meu colo?
Caio fez biquinho.
- Mas está confortável. – Disse ele, então deu um tapa no rosto de Gabriel – Você sabe quem eu sou?
- Caio Júlio César Augusto Germânico?
- Exatamente! Eu sou seu Imperador e vou ficar aqui o tempo que eu quiser!!
- Sem querer atrapalhar o seu reinado, mas aqui não é Roma.
O Imperador mostrou-lhe os dentes como um cão raivoso. 
- Sua coragem é notável... Eu sou o Filho de Roma, e você é um cadáver...
- Você também...
- Mas eu tenho mais anos de mortes que você.
Amanda revirou os olhos, segurou o braço do Imperador, pronunciando seu odiado apelido:
- Calígula! – Ele a lançou um olhar assassino
- Do que você me chamou?
Com um movimento simples e uma força sobre humana, a Súcubo o arremessou na direção do elevador, atingindo as portas fechadas. Amanda se aproximou de Calígula e descansou seu salto agulha em seu rosto, amassando seu nariz torto. Ela colocou as mãos na cintura, o Imperador não se mexia, mas continuava lançando um olhar assassino para cima da Súcubo.
- Então Sandalinha, eu vou te fazer desejar ter sido cristão se não entrar nesse elevador...
- Sabe o que dizem sobre gente como você em Roma? – Perguntou Calígula, com a voz nasalada, muito por causa de um salto 15 esmagando seu nariz
Amanda apertou o botão de chamada do elevador.
- Você não tinha medo dele? – Perguntou Gabriel, aliviado pelo Imperador ter saído do seu colo
- Não me ignore! – Gritou Calígula
- Eu só acho esse cara insuportável! Não é à toa que não durou no poder! Como é ser empalado as ordens de seu próprio povo!
As portas do elevador se abriram, Amanda saiu de cima de Calígula, mostrado a língua enquanto o imperador se arrastava para dentro.
- Eu vou garantir que perca esse emprego! – Exclamou o Imperador
- Eu sou concursada, não cheguei aqui fazendo favores a alguém! – Pausa dramática por dois segundos – Seu merda!
Amanda apertou o botão -12, as portas se fecharam, e durante alguns segundos, ainda podia escutar a imperador esperneando dentro do elevador. Amanda abriu um sorriso maldoso, se voltou para Gabriel, estava verdadeiramente feliz, praticamente desfilou de volta a sua mesa.
- Sandalinha? – Perguntou Gabriel
- “Calígula” significa “Sandalinha”. – Explicou a Súcubo
- Entendi... – No meio da palavra, o telefone vermelho tocou
Amanda atendeu.
- Trigésimo sexto Centro de Seleção e Direcionamento de Pecadores não Arrependidos... Sim, Amanda... Oh, ótimo... Então já posso manda-lo pra baixo... – Gabriel sentiu um arrepio percorrer a espinha, seguida de uma vontade de chorar – Obrigado. – E desligou o telefone – Então Gabriel, nosso tempo junto chegou ao fim.
- Por favor, não...
- O meu Chefe quer falar pessoalmente com você. – Gabriel se sentiu como um picolé – É só apertar o último botão do elevador. – Gabriel hesitou – Rápido, Ele está esperando.
- É que... – Gabriel hesitou novamente – Eu posso, sabe, tocar...
- Tocar o que? – Perguntou Amanda
Gabriel respirou fundo.
- Seus chifres.
Amanda manteve sua expressão intacta.
- Não. – Apenas respondeu, do próprio computador, a Súcubo chamou o elevador
Gabriel abaixou a cabeça, sentindo-se um tanto deprimido se levantando e indo em direção ao elevador. Levou um tempinho para as portas se abrirem, quando aconteceu, Gabriel entrou, olhou para a Súcubo, com o rosto completamente vermelho e inchado, acenou com mão tremula. Ela ergueu o olhar, mostrando-lhe a língua bifurcada. Gabriel sorriu de canto, levando o olhar aos botões do elevador, seguindo as instruções da Súcubo, Gabriel apertou o último botão, o número -13.
Escrito numa fonte Agency FB, em negrito e vermelho vivo.



Capitulo 3: O Pecador Hipócrita 



Um homem, velho, com os cabelos grisalhos e a barba tão bem-feita, que parecia que nunca houveram pelos em sua face. O velho, vestindo uma batina de padre sem qualquer detalhe, apenas um longo manto preto, que se estendia como uma sombra no alto e magro homem, mas que mesmo assim, não tornava a figura amedrontadora. Seus olhos verdes estavam escondidos atrás de um par de óculos redondos, sua expressão serena suavizava as rugas que os anos lhe trouxeram, tinha o nariz de batata e o rosto arredondado, mantinha as mãos nuas e os pés envoltos de um sapato de couro preto, pelo pescoço pendia um crucifixo invertido, feito de aço que reluzia a luz das lâmpadas incandescentes.
- Senhor? – Chamou o Padre – O Senhor me chamou? Aconteceu alguma coisa?
- Por que Senhor? – Perguntou o Sobrinho de Deus
- O que foi? – Indagou o Padre
- Meu nome, por que me chamam de Senhor?
- Porque o Senhor é nosso líder, nosso governante... – Respondeu - O Senhor é nosso Senhor. – Repetiu o Padre
- A Bíblia dos Homens esconde meu nome... Me diga Mateus, qual é o meu nome?
Mateus, surpreso por ter sido chamado pelo nome usado em vida, pensou por um momento, varrendo em vão sua memória atrás da resposta, lembrou de dezenas de apelidos e adjetivos, mas nenhum deles lhe parecia o verdadeiro.
- Eu não sei. – Admitiu Mateus, cabisbaixo – Me perdoe, mas não sei o seu nome.
- Eu não o culpo, na verdade, eu nunca te contei qual era... – O olhar do Senhor se perdeu pela sala – E nem conseguiria, eu o esqueci a muito tempo...

O botão -13 acendeu ao ser tocado, imediatamente, o elevador começou a descer. Confinado naquele cubículo espelhado, Gabriel ficou se olhando nos espelhos. Na maior parte do tempo, tocava os olhos inchados, sua pele branca havia se tornado um sinaleiro fechado. Acoplado na estrutura do elevador, havia uma portinhola espelhada, quando Gabriel a notou e a abriu, descobriu que se tratava de um frigobar, ignorando as bebidas, Gabriel pegou a única garrafa d’água, que estranhamente não estava congelada. Ele foi despejando a água em sua mão e a esfregando no rosto, no fim, havia molhado também o cabelo loiro e a gola da camisa, Gabriel secou as mãos na bermuda, então puxou a base da camisa para o rosto, afim de seca-lo, só então bebeu o que restava da água.
Gabriel sentou no chão, se olhando no espelho, agarrou os cabelos.
- Por que eu fui fazer isso?! - Perguntou a si mesmo
Então deixou a cabeça tocar o chão. Tinha que dobrar os joelhos para ficar deitado. Agora, com os olhos voltados para o teto, o elevador tinha luzes florescentes, era a primeira luz branca que ele vira desde que entrara no inferno. Quando chegou o ponteiro chegou ao andar -12, o elevador parou, as portas continuaram fechadas, em seguida, os espelhos todos ficaram negros, na parede oposta as portas, uma enorme mensagem, piscando em vermelho escarlate, negrito, caixa alta, sublinhada e naquela fonte que você já sabe qual é, estava escrito:

?OSSID AZETREC MET

Abaixo, duas palavras marcadas como escolhas.

MIS                                          OÃN

Imediatamente, Gabriel começou a apertar freneticamente o botão, OÃN, mas nada acontecia, começou a socar a parede, ficar segurando a palavra, murmurando sem parar:
- Não quero, não quero, não quero, não quero...
No fim, já estava esfregando o rosto na opção.
            Quando se cansou, Gabriel se afastou, respirou fundo, fechou os olhos, respirou fundo novamente, de um passo à frente, e pressionou a outra opção. Quando seu indicador tocou o MIS, as luzes voltaram e a mensagem desapareceu, então o elevador despencou, como se tivesse cortado os cabos que seguravam o elevador. Tão rápido que Gabriel foi projetado contra o teto, como um ímã, ficou grudado enquanto o ponteiro se movia lentamente, passando o -12 para o -13. Parecia uma eternidade, como se estivesse atravessando quilômetros e quilômetros, as luzes do elevador piscavam e falhavam durante a decida, Gabriel gritava, com os olhos arregalados e com os braços e pernas abertas. Exatos nove minutos e trinta e sete segundos até o elevador chegar no andar -13, Gabriel parou de gritar nesse instante, então desgrudou do teto e caiu no chão.
Lentamente, as portas do elevador se abriram.
            Descolando o rosto do chão, tonto, apoiando-se nas paredes/espelhos, Gabriel permaneceu assim por alguns segundos, recuperando o folego, seus ouvidos zuniam. Gabriel se abaixou para apanhar seu boné, vestindo-o em seguida, ele se aproximou da porta, com os olhos fechados, temia o que pudesse ver, respirou fundo, e abriu os olhos.
- Meu Deus... – Murmurou Gabriel

               Mateus, ex-apóstolo de Jesus Cristo, que depois de um pequeno negócio, acabou tendo que servir o Sobrinho de Deus, e nesse momento, estava sentado, numa confortável poltrona de veludo, à sua frente, o próprio Sobrinho, igualmente sentado numa poltrona de veludo. O ambiente, muito bem iluminado por luzes incandescentes, decorado com estantes com livros, garrafas de vinho de um milhão de dólares, diplomas e pequenas estátuas de anjos. Sentado de frente para Mateus, o Sobrinho de Deus, uma figura humana, empunhando uma enorme taça, cheia de um vinho romano engarrafado no século III, que possuía um forte gosto de uva e uma textura que lembrava azeite de oliva, um exemplar destes em perfeitas condições é totalmente inexistente para os seres humanos no plano terreno.
Senhor? – Chamou Mateus – Tudo bem com o Senhor?
- Não. – Respondeu o Sobrinho – Estou entediado. - Do lado direito, havia uma mesinha, onde deixou sua taça, a esquerda, uma pequena coluna grega com uma bacia de metal acoplada, muito parecida com as usadas para batizar bebes, cheia de cocaína. O Sobrinho de Deus se inclinou para a esquerda e enfiou o nariz na droga – Você já assistiu “Scarface” Mateus? – Perguntou ele com a ponta do nariz completamente branca
- Não Senhor, eu não assisto filmes.
- Uma pena. – Disse o Sobrinho, passando o dedo na ponta do nariz, se reclinando na poltrona - Perdeu a referência. – Então pois o dedo branco na boca – De 98% de tedio, passei para 97%. - Então fechou os olhos, pareceu dormir, estático e sério
Senhor... – Chamou Mateus
- Pare com isso! – Interrompeu o Sobrinho de Deus - Eu não sou Deus pra ficar me chamando de Senhor!
- Tudo bem. – Murmurou Mateus, antes de beber um gole de vinho – Queria saber, sobre aquele ariano que você mandou chamar... – O Sobrinho assentiu - Por que mesmo?
         Bebendo seu vinho, ele pensou por um momento, apoiou o calcanhar direito no joelho esquerdo, apoiou a base de sua taça no braço de sua poltrona, mas não deixou de segurá-la. Com a mão livre, tocou o próprio rosto com a ponta dos dedos, seus olhos brilharam, e sua voz saiu completamente serena.
- Quando fui moldado, Deus teve o triste azar de criar um adolescente, combinando o Tédio com a Revolta... – O Diabo sorriu para Mateus - E aqui estou eu.



- Deus... – Murmurou Gabriel – Me perdoe, mas não me parece tão ruim...
         Gabriel atravessou a porta do elevador, que dava para uma pequena sala, toda rustica, com um sofá de couro escuro ao lado de uma mesinha, coberta por um lençol branco, com uma cafeteira, uma jarra com leite, açúcar num pote de alumínio, algumas xícaras, tudo muito organizado lado a lado. Gabriel olhou em volta, a sala tinha grandes janelas que davam vista para um imenso nada, como se tivessem pintado o lado de fora do vidro de preto. Disfarçada no teto, uma pequena caixa de som havia sido instalada num dos cantos da sala. O centro do teto estava ornado com um lustre de lâmpadas incandescentes, numa das paredes, uma pequena estante com alguns livros e revistas. Ao lado da porta de entrada, um porta guarda-chuvas e um cabideiro, ambos vazios.
Era um ambiente compacto.
Gabriel se sentou no sofá, ficando de frente para a janela, a sua esquerda, ficou a porta por onde entrou, a sua direita estava a próxima porta, feita de madeira escura, salpicada com gotas de tinta branca, sem muita simetria. Gabriel sentia seu corpo pesado, estava nervoso, apesar do sofá ser extremamente confortável, e de uma sinfonia relaxante tomando conta do lugar, ele não conseguia se sentir bem naquele lugar, não é para menos, ele estava no inferno.
- Deus... – Pensou ele – Me ajude por favor... eu quero muito aquele café, me de forças pra não toma-lo...
A porta salpicada foi aberta.
         O Apóstolo de Cristo entrou, ele ajeitou os óculos, encarou Gabriel de cima a baixo, fez uma cara de desaprovação, se virou e saiu pela mesma porta que entrou. Gabriel não teve tempo para falar qualquer coisa. Quando Mateus voltou, trazia com ele um conjunto social, camisa branca, calça preta, sapatos lustrados e meias longas.
- Vista isso.
Gabriel olhou para as roupas.
- Você é um padre?
- Não, sou um velho. – Respondeu Mateus, secamente – Vista isso, você lembra um mendigo que foi espancado por adolescentes.
Gabriel se levantou.
- Dane-se essas roupas! – Exclamou – Você não sabe o que eu passei pra chegar aqui!
- Na verdade eu sei. – Retrucou Mateus, calmamente – Mas principalmente, sei que pecou.
Gabriel não se intimidou.
- E por que você está no inferno?
- Vendi minha alma.
Gabriel ficou irado ao ouvir aquilo.
- Você é um egoísta. – Acusou Gabriel – Que tipo de homem é você?
O velho franziu o cenho, sempre quis responder essa pergunta.
- Sou o tipo de homem que caminhou ao lado de Jesus Cristo, seu apóstolo, que escreveu o livro que conta sua vida. – Gabriel recuou lentamente – Mateus é meu nome, sou o que vendeu a alma ao Diabo para resgatar o que restara de Jesus no inferno, apenas para traze-lo de volta dos mortos, para acalmar o mundo, acalmar a culpa que me corroía o coração, para me sacrificar pelo Filho de Deus, como ele havia se sacrificado por mim!
Depois de um breve silêncio, Gabriel aceitou as roupas.
Sem entender porque, mas ele acreditou nas palavras do velho, a ideia de um pedaço de Jesus ter estado no inferno foi difícil de entender, Gabriel deixou isso de lado. O broche escrito 1.3.7.6 estava preso na sua camisa, ele foi tirando e o deixando de lado. Gabriel se trocou ali mesmo, vestiu todas as peças, pois a camisa por dentro da calça, quando foi fechar os botões, Mateus se aproximou e fez isso por ele, fechando os botões do pulso e do peito, se lhe oferece uma gravata, seria um garçom.
- Como era Jesus? – Perguntou Gabriel enquanto ele fechava os botões
- Era um exemplo. – Respondeu Mateus de imediato – Nunca disse algo que não fosse preciso, nunca se vangloriou de sua sabedoria.
Mateus entregou um suspensório a Gabriel.
- Como ele era? Quero dizer, fisicamente? – Perguntou enquanto prendia o acessório em sua cintura e passava sobre seus ombros
- Isso importa? No fim, as pessoas não oram pelo seu rosto, oram pelas suas palavras. – Mateus sentia saudades do antigo amigo, era possível sentir isso em sua voz. Quando vendeu sua alma, sabia que estaria se separando de Jesus e de todos os seus ensinamentos, mesmo assim o fez – Meu Senhor o está esperando.
- Não me diga que Jesus está depois daquela porta? – Perguntou Gabriel, um tanto assustado
Mateus balançou a cabeça negativamente.
- O Diabo te espera depois desta porta... – Mateus respirou fundo - E está na segunda bacia de cocaína.

O lugar era uma sala de estar, com grandes janelas, cujas cortinas escarlates estavam abertas, dando uma bela vista para o mesmo nada da janela da sala anterior. Entre duas enormes estantes, uma lareira de tijolos se erguia sobre uma estrutura de pedra e lançava uma luz intensa sobre duas poltronas e um divã, que estavam situados no centro da sala. Acima da lareira, se erguia um crucifixo invertido. O chão de tabuas escuras, com vários tapetes felpudos em tons de bege, em destaque a um que ficava por baixo das duas poltronas e do divã. O teto bege tinha alguns lustres, um no centro, os outros mais afastados. A frente de uma das janelas, uma pequena área dividida do resto da sala, elevada por um degrau. Uma grande mesa se estendia na horizontal, com uma serie de cadeiras posicionadas em volta, a mesa estava ornada com candelabros de prata sobre uma toalha vermelho vinho, com quadros espalhados pelas paredes, a maioria com distorções da realidade, que estranhamente combinavam com o ambiente. Na verdade, o lugar era praticamente todo coberto por vermelho, marrom e bege. 

Deitado sobre o divã, o Sobrinho de Deus repousava, com os dedos entrelaçados sobre o peito, vestia um pijama bordo de algodão, composto de uma camisa de manga comprida, calça comprida, um par de pantufas felpudas enormes, que simulavam de uma forma fofa os cascos de um bode. Cobria os cabelos com uma touca de choche com orelhas caídas e chifres de lã voltados para cima. Mateus abriu a porta e deixou Gabriel sozinho com o Diabo, fechando a porta assim que a atravessou. Gabriel se aproximou lentamente, estava tremendo, seu nervosismo era como se mil aranhas estivessem correndo dentro do seu estomago. Satã, em toda a sua fofura, abriu os olhos, virou o rosto para Gabriel, por um momento, uma luz escarlate tomou conta de seus olhos, e então bocejou.
O bocejo durou alguns segundos, e fez bastante barulho.
- Olá... – Murmurou para Gabriel. Ele não parecia estar na segunda bacia de cocaína. Diabo se levantou, se aproximou de Gabriel e lhe estendeu a mão. Gabriel foi recuando conforme Ele se aproximava, Gabriel percebeu que sua calça tinha um rabo de pelúcia – O que foi? – Perguntou Ele, no momento que parou de avançar, Gabriel parou de recuar
- Eu sei quem você é. – Respondeu Gabriel
- Serio? E quem seria? John Milton?  - Gabriel o olhou de cima a baixo
- Só não esperava te ver assim. – Pensou
- Pela sua cara, você não entendeu a referência. – Ele pareceu um tanto decepcionado – Ninguém entende a referência... – Murmurou enquanto voltava para o seu divã - Sente-se. – Pediu, apontando para a poltrona ao seu lado – Eu quero conversar, Mateus pode até ser um cara legal, mas todo assunto volta para Jesus. Eu começo a conversar sobre o vinho tal e ele não se aguenta: “Eu bebi vinho com Jesus antes de conversamos sobre como não devemos espancar nossas mulheres”... Aí você pensa, não é legal ouvir alguém que viveu com o filho de Deus? – Gabriel balançou a cabeça positivamente – Não quando qualquer coisa é motivo, as vezes ele esquece que eu conheço Jesus, que eu já o hospedei aqui. – O Diabo tirou um broche do bolso do pijama, o jogando para Gabriel. Estava escrito 1.3.7.6, Gabriel o apanhou, sem saber o que fazer, ele o prendeu de volta na camisa, sobre o coração – Eu pedi para se sentar. – Insistiu o Diabo. Gabriel se aproximou, hesitante, ele se sentou na poltrona ao lado do divã, era uma poltrona de veludo vermelho, parecia feita por um anjo, para um anjo. Tão sobre medida que cada centímetro de veludo parecia abraçar Gabriel. Ele sentiu uma forte e repentina vontade de dormir – Olhos abertos! – Exclamou Pata Rachada, estalando os dedos
- Me desculpe! – Reagiu Gabriel, arregalando os olhos – Estou me desculpando com o diabo! – Gritou em seu pensamento, ele segurou o rosto com as duas mãos. Gabriel respirou fundo, reunindo coragem para perguntar – O que você quer de mim?
- Eu quero te esfolar e te fritar numa frigideira. – Respondeu, impassível. Gabriel não teve reação, o Diabo bufou – Estou brincando, não gosto dessa cara, esse lugar é tão desagradável? – Gabriel assentiu, em seguida se arrependeu. O Sobrinho de Deus não era uma figura exatamente bela, pelo menos não vestido daquela forma. Gabriel teve a impressão de que Ele estava fantasiado dele mesmo. Seu tom de pele estava entre o de um caucasiano e o de um pardo, como se tivesse ido à praia durante alguns dias. Dependendo do ângulo, seu rosto parecia mais quadrado, quando abaixava o rosto, suas bochechas se destacavam, arredondado sua face. Aparentava ter trinta anos. Em seu rosto crescia uma “barba de uma semana”, daquelas que arranham a pele alheia. Seus olhos se erguiam, não importava a cor, pois suas pupilas estavam dilatadas, deixando apenas um fino círculo castanho – Você está me analisando. – Afirmou o Diabo
Gabriel tomou um susto.
- Eu, eu, sabe, não... – Gabriel começou a gaguejar
- Não! – Gritou Ele, arregalando os olhos – Sem gaguejar. – Murmurou calmamente
Gabriel respirou fundo.
- Então o que é? – Perguntou ele
- O que é o que? – Sete Pele se levantou, ficando sentado no divã - Aliás, por que está vestido assim?
- Eu ia te perguntar o mesmo. – Sua resposta havia sido um reflexo
O Diabo sorriu.

- Isso!  – Exclamou Ele, numa explosão de animação – É isso! Uma opinião!! – O Diabo se levantou com um impulso, tirando sua touca e suas pantufas e as jogando dentro da lareira – Então... – Começou Ele, com os olhos fixos no fogo - A piada foi boa? – Sua voz estava carregada de um estranho cansaço

- Piada?

- A touca, as pantufas... – Respondeu ainda encarando as chamas
- Ah... – Murmurou Gabriel – Foi um tanto inesperado... – Gabriel abaixou os olhos para o rabo de pelúcia, ainda pendurado – Esqueceu de tirar o seu rabo.
O Diabo se virou para Gabriel.
- Que coisa, hein? – Disse com um meio sorriso no rosto – Faz parte do pijama, arranca-lo seria como rasgar minhas roupas. – O diabo não passava de um e oitenta de altura, era bem mais baixo que Gabriel. Apesar de ser menor, tinha o os ombros mais largos, não era musculoso, tinha um físico normal, pelo menos aos olhos de Gabriel, que o via coberto daquele pijama, que por ser um tanto folgado deixava uma série de dobras no decorrer do tecido – O que foi? – Ele perguntou – Você continua me analisando.
Gabriel ignorou aquilo.
- Você não é Ele. – Acusou Gabriel, sem estar muito certo de si mesmo
Um sorriso se abriu no seu rosto.
- Por que eles sempre duvidam? - Perguntou Ele – Sempre duvidam!! – Exclamou, num espasmo de adrenalina
- Porque ninguém espera ver o diabo num pijama amassado, com os cabelos enroscados e com uma barba aparada num liquidificador. – Assim que terminou, Gabriel não sabia de onde tinha tirado isso
O Diabo tentou se segurar, mas não conseguiu, Ele começou a rir, arqueou os ombros para frente, segurando os joelhos, mantendo a cabeça abaixada enquanto explodia em risadas. Ele passou a mão pelos cabelos castanhos, jogando para a esquerda, penteando-os com os dedos. Ele caminhou até um cabideiro, próximo das estantes, com algumas roupas penduradas, ele apanhou um roupão, longo, chegando até as canelas, negro e expeço, com golas felpudas. O Cabeça de Morcego o vestiu, o mantendo aberto, se voltou para Gabriel, com os olhos cheios de malícia, caminhou até ele, sentando-se na segunda poltrona, igualmente vermelha, ao lado, a fatídica coluna grega e a bacia de metal acoplada.
- Em alguns quesitos... – Começou o Diabo – A humanidade realmente sabe fazer as coisas bem-feitas. – Em seguida mergulhou o dedo na cocaína, apontando o dedo branco para Gabriel – Me impressiono com a capacidade de vocês em transformar aquilo que Deus criou em coisas infinitamente melhores.
- Sim. – Concordou Gabriel, franzindo as sobrancelhas – Transformamos a natureza, e isso resulta em muitas coisas, e eu gosto de vários desses resultados, mas isso é bem prejudicial...
- Estou falando de cocaína, não de armas nucleares. – Interrompeu Ele - Só posso agradecer pela quantidade de drogas que vocês desenvolveram, uma melhor que a outra, gosto especificamente da nutella. Ópio me é um tanto desagradável, me deixa com a boca seca, lança-perfume me dá insônia...
- Por que você está falando disso?! – Perguntou Gabriel, impaciente – E você me interrompeu!
- Me perdoe. – Respondeu – Eu sempre fico muito empolgado.
- Eu estou morto! – Explodiu Gabriel, se levantando com um impulso – Eu estou no inferno! Estou conversando com o Diabo! Então não ouse se divertir!! – O Diabo ergueu os olhos para encontra os de Gabriel, completamente desesperados
- Quer uma bebida?
Gabriel respirou fundo.
- Não. – Respondeu, então desabou na poltrona, sentindo o mesmo conforto – Eu quero que pare de me enrolar.
O Diabo ficou em silêncio, durante alguns segundos, ele apenas respirou.
- Não sou algo para ser adorado. – Disse Ele
- É claro que não. – Interrompeu Gabriel – Você é o Diabo.
- E você é um pecador. – Retrucou com um certo bom humor – Você está no inferno, está no mesmo nível que eu. – Gabriel fechou a cara – Quantos oram a Deus por uma vida melhor, descarregam nele seus desejos, enchendo sua paciência o dia todo, todos os dias. – Ele sorriu de canto - Isso seria confortável se não me atingisse também. Sou apenas um culpado, sou o buraco onde os fracos jogam sua incompetência. – Ele caiu com o rosto na bacia de cocaína, quando saiu, parecia maquiado de uma forma bisonha. Ele passou a língua em volta dos lábios. O Diabo encarou Gabriel, analisando-o - Sabe como é ver o que Eu vejo, Eu consigo ver os vermes se alimentando dentro de você, vejo seus cabelos se desprenderam como fiapos quebradiços, vejo a sua pele descascando sobre queimaduras, consigo ver através de seus ossos esfarelados... – Ele parecia perdido - Eu só estava tentando ajudar.
- Da pra ser um pouco mais claro?
O Diabo limpou o rosto, respirou fundo três vezes.
- Tem algo sobre mim que realmente é verdade, eu me revoltei, eu irritei Deus e toda a sua magnitude. – Gabriel ergueu as sobrancelhas - Eu sei o que está pensando, mas não foi isso, não queria tirar Deus do seu troninho de nuvens, Eu sei que não conseguiria.
Gabriel suspirou.
- Você fala, fala, e não chega a lugar nenhum.
O Diabo se levantou, deitou no divã, cruzou as mãos sobre a barriga, e fechou os olhos.
- Já faz um tempo que não faço isso, se importa de ouvir os meus problemas? – Perguntou Ele, calmamente
Gabriel encarou a figura deitada ao seu lado.
- Ser o Psicólogo do Diabo? Não obrigado.
- Vai lá, qual é o problema? – Perguntou o Sobrinho de Deus, ainda com os olhos fechados
- Qual não é o problema? – Retrucou Gabriel
Ele abriu o olho direito.
- O que você tem a perder? Pra quem vai passar a eternidade sofrendo, o que são cinco minutos?
Gabriel ficou em silêncio por um momento.
- Está bem. – O Diabo sorriu – Mas só cinco minutos.
Ele assentiu.
- Eu queria saber o meu verdadeiro nome. – Ele gesticulava enquanto falava - Deus tirou ele de mim, Eu não aguento mais esse monte de apelidos, um mais bizarro que o outro. Pata Rachada, Exu Caveira, o meu limite foi Rabo-de-Seta, esse realmente me matou! Da onde tiraram que eu tenho um rabo de seta?! – Ele encarou Gabriel - Não responda! – Pausa de três segundos – Eu tento levar as coisas na brincadeira, mas não adianta! Quando fui sério ninguém me entendeu! – Mais uma pausa – Tudo bem, um terço dos anjos me entenderam, e por isso estão aqui hoje.
- Escuta... – Disse Gabriel - Morrer não me deixou idiota, eu sei o que você quer.
O Diabo contorceu os lábios e as sobrancelhas numa forma de provocação.
- E o que eu quero? – Perguntou Ele, sarcasticamente
- Você não ia só reclamar? – Retrucou Gabriel
- Eu tenho pensado... – Ele começou - A milênios que estou deitado nesse divã, não faço algo relevante desde o Jardim do Éden, eu não aguento mais todo esse tédio, eu injeto litros de heroína e ainda não é o suficiente pra fechar esse buraco no meu peito. – Lúcifer fechou o punho sobre o coração, agarrando o pijama enquanto fechava os olhos com força, respirando profundamente – Eu já sei o que vai dizer, são as consequências da minha escolha, e você está certo, mas não é uma falta de Deus, são as mentiras, - O Diabo segurou o rosto com as duas mãos, apertando e arranhando - todas as mentiras! – Gritou – Como acha que eu me sinto? Eu ostento o título de Primeiro Pecador! E sabe do que mais, se isso é pecar, eu fiz mais pela humanidade do que qualquer um! Nem Cristo nem Deus transformaram a humanidade como Eu a transformei! – O Diabo parou para respirar - Sou um pecador que nunca será perdoado...
Gabriel parou de temer aquela conversa.
- Você pode se arrepender! – Exclamou Gabriel – Não é possível que não consiga largar esse orgulho e pedir desculpas!
O Diabo começou a rir, um riso tão verdadeiro que chegava a ser estranho.
- E por que eu faria isso? – Perguntou Ele, cinicamente – Vou largar aquilo que acredito por uma mentira? Você poderia fazer isso? Poderia se arrepender de ter ido contra um tirano?
- Aquele que prega o amor não é um tirano! – Retrucou Gabriel - Você fala com tanta convicção, passou milênios nesse buraco, mentiu tanto para si que acredita que são verdade!
O Dragão suspirou, parecia feliz, como se aquele fosse o melhor show de humor que ele jamais vira. Seus olhos lacrimejavam de emoção, Gabriel sentiu que haviam muitas palavras presas no coração daquele anjo, e também sentia que elas queriam sair, Gabriel temia que isso.
Exu Caveira começou a falar:
- Eu já acreditei nisso, sabia? – Gabriel podia ouvir sua respiração - Enquanto chorava escondido de todos, me peguei pensando nisso, que minhas escolhas foram infantis e que nada do que eu fazia tinha importância. Foi então que juntei minhas mãos, naquele momento de fraqueza, estava para pedir perdão, mas não havia como. – Seus olhos lacrimejavam – Não havia como... – Repetiu Ele
- Você é incapaz de se arrepender? – Perguntou Gabriel
- Não sei, seria mais simples se o arrependimento me fizesse falar, mas isso não vai acontecer, Deus não irá morrer não importa o quanto Eu o odeie, o que eu fiz foi matar Deus em mim.
- Isso é tão triste... – Murmurou Gabriel
- Tão Nietsche... – Retrucou o Diabo num tom cômico
- Não entendi a referência. – Admitiu Gabriel - Então vou ignorar. – Gabriel tirou o broche do peito e o jogou em cima do Diabo – Qual é o seu lado nessa história, você traiu por egoísmo, e ainda tem a cara de pau de dizer que odeia Deus? Acha que Ele errou quando te expulsou por sua traição?!
O Diabo fechou os olhos por alguns segundos, pegou o broche, 1.3.7.6, escrito em vermelho numa fonte Agency FB, dentro de um pentagrama sobre o fundo branco. Lúcifer olhou o broche atentamente por alguns momentos, enxugou as lagrimas presas ao redor dos olhos, então jogou o broche no fogo.
- Vou facilitar as coisas para você. – Exclamou Ele, então saltou do divã para a poltrona, debruçando-se sobre o veludo vermelho – Vou te apresentar o meu lado nesse jogo. Aqui vai, uma historinha para um cristão: Você, na idade que tem hoje, é amigo de um casal, e você confia neles, mas acontece que eles te magoam muito, você os avisou para eles não fazerem uma coisa, mesmo assim, eles o fizeram, e a decepção foi tão grande que você se afastou deles. Agora você é mais velho, tem uns sessenta anos, e veja só! – Ele apontou o dedo para mim – Você fundou uma empresa, e acaba contratando um garoto para trabalhar. Mas você acaba descobrindo que ele é o neto do casal que o magoou. Ele não tem nada a ver com sua magoa, nada a ver com os avós dele, então, ele merece seu ódio? – Uma breve pausa - Você vai demiti-lo? Ou melhor, você vai manter ele ali e infernizá-lo no seu trabalho?!
Gabriel engoliu em seco.
- Não. – Respondeu hesitante
Gabriel sabia para onde aquela conversa levaria.
- Agora eu mudo os personagens, os verdadeiros personagens. O casal são seus antepassados, e o magoado é Deus, o pecado de Adão e Eva foi punido por Deus, mas e agora? Seus filhos, netos, bisnetos, tataranetos, sofrem o mesmo pela vingança de Deus, a covardia Divina de atingir Adão e Eva atacando os filhos! Todos perderam o direito de viver num Éden que Deus entregou aos seus pais! E o fez para satisfazer a própria existência! Ele fechou os olhos para a crueldade, deixou um mundo de pessoas boas, pessoas de fé, que cegamente ainda o adoram, deixou todos sofrerem, até aqueles que nem tiveram a oportunidade de pecar, já nascem doentes, defeituosas, mortas! Que sadismo é esse?! Nem mesmo Eu sodomizo bebes, então porque Ele destruiria uma vida dessa forma?! – O Diabo parou para respirar, ele se levantou, caminhou até a estante, enquanto continuava – E agora, milhares de anos depois, depois que um Casal decidiu comer uma maça, o que você tem a ver com eles?!
- Você fez eles a comerem! – Esquivou-se Gabriel, numa fúria desesperada
Gabriel se levantou também, enquanto Lúcifer se servia com whisky e gelo.
- Sim, Eu o fiz. – Concordou Ele, então virou o copo nos lábios, fazendo a bebida deslizar garganta a dentro - Era a minha oportunidade! Ia acontecer de qualquer maneira, era como por um chocolate na cabeceira da cama de uma criança! Eles a comeriam de qualquer maneira!!
- Como pode ter certeza?! Você os tentou! Você que causou isso tudo!
- Eu os tentei mesmo? – Perguntou o Diabo, calmamente - Dizer a uma criança pra não fazer uma coisa é o combustível para que ele o faça. Eu os ofereci a verdade, os tirei da ignorância, ofereci o Fruto da Razão, o conhecimento do Bem e do Mal. Eu apenas adiei o inevitável.
- Eles não eram crianças, e Deus lhes deu a chance de escolher entre Ele e o Desobediência, entre Ele e o Errado!
- Você está cobrindo com flores uma poça de merda. – O Diabo deu um passo a frente, erguendo os braços junto da voz - Deus lhes deu a chance de escolher entre a Ele e a morte, entre a ignorância e a liberdade! – Ele jogou o copo contra uma das paredes, os cacos se espalharam pela sala - O que os diferenciava de gado? Nem sequer pensavam, viviam nus, esperando o Todo Poderoso dizer o que comer ou não! Enquanto Deus brincava com suas eternas crianças, Eu me remoía de fúria, Eu sou a Revolta! Eu sou a Revolução! – O Dragão Vermelho suspirou - E Eu consegui, tão simples quanto criar um universo, Eu fiz a humanidade renascer na forma mais odiosa que Deus jamais pode imaginar! Um ser que pensa por si mesmo, que sabe distinguir o certo e o errado por conta própria. – Gabriel não sabia o que dizer, permaneceu estático enquanto aquelas palavras penetravam sua mente – “Sou um culpado, sou um buraco onde os fracos jogam sua incompetência”. – O Diabo caminhou até sua poltrona, sentando-se acompanhado de uma calma implacável. Suas emoções emergiam e encolhiam aleatoriamente, Gabriel não sabia dizer se era uma bipolaridade, ou se, em certos momentos, a vontade de gritar superava sua postura social de “dono do inferno” – Eu não seduzo com promessas e presentes, só tenho a decência de apresentar meu lado, normalmente funciona.
- Por que eu deveria acreditar em você? Você pode estar muito bem mentindo!
- Por que acreditar em mim? - A Estrela da Manhã sorriu - Porque você não está queimando... diga que isso é mentira?
- Você só está se esquivando! – Respondeu Gabriel
- Estou apresentando meu lado, não me importa se você acredita ou não. Faça o que quiser, pense o que quiser, não faz diferença pra mim.
- Então, qual é o seu objetivo? – Perguntou Gabriel – Não é possível que esteja aí sentado, esperando seja lá o que!
- Você está certo, esperei demais. – Admitiu o Diabo – Meu único ato relevante foi no Jardim do Éden. Para trocar socos com anjos não é preciso coragem, são apenas irmãos, Deus era um ponto a ser alcançado. Quando cheguei aos pés de seu trono, Eu estava coberto de sangue, Eu o encarei, meus olhos queimavam pela luz, nunca chorei tanto quanto naquela hora. O Senhor não me deixou falar, Ele me derrubou, me lançou contra a terra... – Sua voz foi ficando cada vez mais animada - Foi uma batalha daquelas, você tinha que ter visto, Eu acertei um gancho no Miguel, mano, que gancho foi aquele! – Ele gesticulava, frenético, dando socos no ar, simulando como havia feito – Eu lembro dos dentes dele voando, também levei uma surra, mas aquele gancho foi histórico, merecia uma passagem na Bíblia. Quando fomos para a guerra, pintamos nossas asas de preto, para nos diferenciar dos que lutavam ao lado de Deus... - Gabriel bufou – Já chego nessa parte, calma, sobre o que eu quero... – O Diabo respirou fundo - Quero que parem de idolatrar, quero que parem de tratar um sádico como perfeito! Já esperei demais, bebi demais, me droguei demais, mantenho um sistema de captação e distribuição de pecadores para suas devidas áreas, engenheiros, químicos, professores, todos têm de ser mandados para suas devidas áreas, muitas crianças morrem antes de completarem o ensino médio, e hoje em dia, 90% deles vem pra cá. Você não tem ideia de como manter tudo isso me dá trabalho!
- Estou vendo. – Disse Gabriel, sarcasticamente
- Nunca pensei que a Ciência pudesse ser um adversário a religião. Mesmo assim, os ateus não vão vencer, como você deve perceber, Deus existe, e provar sua inexistência é a busca do ateísmo. Deus é ainda é visto como bondoso, e vou ter que mudar essa mentalidade. – O Diabo se ajeitou na poltrona – Eu vou semear a verdade, e dela colherei os frutos da a desgraça divina.
- Você está mentindo. – Acusou Gabriel - Não vou cair nisso!
Por um momento, o Diabo relaxou, como se tivesse desistido.
- Continue. – Instigou o Sobrinho de Deus
- Não tente me trazer para o seu lado. Tenho Deus em meu coração, tenho sua luz no meu caminho. – Gabriel tinha ouvido essa frase num culto
O Diabo ergueu a mão, como um aluno chamando a atenção do professor.
- E porque você está aqui mesmo?
Gabriel não hesitou.
- Porque pequei.
Diabo fez um biquinho.
- Mas você é um garoto tão bonzinho, só por isso você está aqui. Você merecia receber uma chance de se redimir, mas ao invés disso, recebeu um carro.
Gabriel se levantou.
- É a vontade de Deus, eu estava negando isso, mas agora sei que eu estava errado. Se estou aqui, é porque mereço, e vou receber minha punição.
- Não fique assim. – Disse o Diabo, levantou-se e se aproximando de Gabriel, segurou suas bochechas, as puxando levemente, esticando seu rosto. Por algum motivo, Gabriel não conseguia impedi-lo – Não fique assim. – Repetiu – Deus te ama incondicionalmente. – Gabriel se afastou abruptamente, dando as costas para o Canhoto – Eu sei que é difícil aceitar tanto amor...
- Cale a boca! – Gritou Gabriel, numa explosão incomum de ira, toda uma carga de stress, acumulada desde a fila de espera, podia não ser o inferno que esperava, mas ainda era o inferno, e aquilo lhe trazia todo um pânico, que ao longo do tempo em que estivera ali, foi crescendo e se acumulando, até estourar como uma bolha de fúria – Quem é você pra julgá-lo?!
Com um sorriso, o Sobrinho de Deus respondeu:
- Fui o primeiro que seguiu os próprios princípios, sou aquele que enfrentou as consequências de seus atos, sou aquele que parou de temer o que achava ser certo, sou o primeiro que colocou a razão em pratica!
Gabriel fechou os olhos por alguns segundos.
- Estou perdido, Deus, preciso de apoio. – Pensou Gabriel Como em toda a sua vida, não ouve resposta. Já era de se esperar, mesmo assim, Gabriel esperava sentir alguma coisa, qualquer coisa que o fizesse se sentir melhor naquela situação, mas nada veio. Gabriel se dirigiu ao divã. - Se importa? – Perguntou ele
- Fique à vontade. – Respondeu o Sobrinho. Gabriel se sentou no divã, abaixou a cabeça, apoiou os cotovelos nos joelhos enquanto segurava o rosto com as duas mãos – Quer alguma coisa? Uma água, um vinho...
- Eu quero acordar numa cama de hospital, e descobrir que aquele carro não me matou.
Lúcifer encarou Gabriel por um momento.
- Eu vou pegar uma água. – Disse se virando
- Diabo. – Chamou Gabriel, ainda com as mãos no rosto
A Estrela da Manhã parou, se virou, seus olhos brilhavam em contraponto com as luzes da sala.
- Diga.
- O que vai acontecer comigo?
- Ainda estou pensando nisso. – Respondeu Ele - Talvez, só talvez, vai valer a pena.
- O que vai valer a pena?
Lúcifer abriu uma garrafa de vinho.
- Pensando bem, quem bebe água hoje em dia? – Perguntou sorrindo, então encheu um cálice e o estendeu ao alcance de Gabriel
- Eu não bebo. – Disse Gabriel
- Não é o que a sua namorada acha. – Provocou
Gabriel fechou a cara.
- Como sabe disso?
- Eu sou Legião. – Respondeu – Se beber comigo, te explico sobre esse lugar, e sobre o que vai acontecer com você. - Gabriel olhou nos olhos dele, abaixou o olhar para sua mão, onde jazia o cálice, finalmente pegou a bebida – Você acaba de aceitar um presente do Diabo. Percebeu isso?
Gabriel olhou o interior do cálice.
- Eu já estou no inferno. – Respondeu antes de beber um gole

O Diabo se sentou, Gabriel devolveu o cálice e deitou-se no divã.
- Muito bem, podemos começar? – Perguntou a Gabriel, como resposta, ele fez um sinal positivo com o polegar – Muito bem, qual é o seu nome mesmo? Não responda, lembrei aqui, é Gabriel... – Gabriel repetiu o sinal com a mão – Qual é a sua comida favorita?
- Sorvete.
- Por que?
- Por que é bom.
Satã piscou algumas vezes.
- Excelente resposta... – Gabriel o olhou com desdém – É sério, gostei mesmo. -  O olhar de desdém continuava – Está bem, voltando um pouco, o que acha que vai acontecer com você?
- Que a qualquer momento vou acordar numa cama de hospital.
O Diabo sorriu, um sorriso que escondia os dentes. Ele ergueu o indicador na altura dos lábios, lentamente, apontou esse mesmo dedo para o rosto de Gabriel.
- Por que eu faria isso? – Perguntou o Diabo
- Então quer dizer que você pode.
O Diabo ficou retorceu os lábios, ainda com o apontando o dedo, virou o rosto.
- Merda. – Resmungou o Diabo
Gabriel coçou a cabeça.
- Eu devia bater em você, mas não quero fazer isso. – Disse Gabriel – Não sei se quero chorar, não sei se quero rir, é como se eu fosse, uma nuvem carregada, e estivesse chovendo... – Gabriel não estava conseguindo se expressar, ele fazia uma pausa a cada duas palavras – Só que, as gotas não são água... seria, mais como cimento, denso, pegajoso, pesado, e aquilo, está... saindo de mim...
- É só tomar um gole de vinho que já fica assim... – Murmurou a Diabo
- Eu ouvi o que você disse. – Resmungou Gabriel
O Estrela da Manhã sorriu forçadamente durante alguns segundos.
- Foda-se! – Exclamou Ele, fechando a cara
- Estou me sentindo mal. – Disse Gabriel, sentindo uma ânsia de vomito, fraca, porém constante – Será que a gente não pode resolver isso logo?
- Já que insiste. – Gabriel o olhou nos olhos, pareciam dois abismos, Gabriel teve a impressão de que eles o engoliriam – Gabriel. – Chamou o Diabo
- Sim?
- Quer um sorvete? - Suas pupilas pareciam dilatar de acordo com a sua vontade, quando perguntou, o castanho de seus olhos foram completamente engolidos pelo preto de suas pupilas
- Quero. – Respondeu Gabriel
- Tem alguma preferência?
- Me surpreenda.
- Gostei disso. – Disse o Sobrinho de Deus. Ele saiu da sala, voltando logo depois, com um pote de sorvete de um litro, daqueles que parecem um tijolo congelado – Gabriel! Pega! – Então arremessou o pote do outro lado da sala.
               Gabriel, que até então mantinha os olhos fechados, virou o rosto, vendo o projétil vindo em sua direção. Com um reflexo, conseguiu segura-lo com as mãos, todo errado, o pote gelado escapou e caiu sobre seu peito. A tampa se soltou, Gabriel tomou um susto, seus ombros se encolheram, mas o sorvete não caiu sobre ele, apenas se parou sobre suas pernas. Era de chocolate.
- Eu pedi pra e surpreender... mas não esperava esse tipo de surpresa. – Disse Gabriel enquanto se sentava no divã
- Surpresa é surpresa. – Disse passando uma colher para Gabriel
- Não tem problema em comer direto do pote? – Perguntou Gabriel
Lúcifer apertou os lábios, o que arredondou seu rosto.
- Acho que você tem mais com o que se preocupar. - Gabriel pegou uma colherada e a colocou na boca. Estava gostoso - Me diga Gabriel, como está se sentindo?
- Confuso. – Respondeu – Estou pensando sobre o que você disse.
- Sobre o que mesmo?
Gabriel deixou o sorvete de lado.
- Sobre Deus. – Respondeu
- E o que você pensa sobre Deus? - Gabriel não respondeu – Vou reformular minha pergunta: O que você pensava sobre Deus antes de conversarmos?
- O que todos pensam.
- E o que todos pensam?
- Normalmente não pensam muito, geralmente só escutam e repetem.
- E você faz parte desse geral? – Gabriel cravou a colher dentro do sorvete, se levantou e deixou o pote sobre o colo do Diabo
- Obrigado por tudo, mas eu tenho que ir. – Disse se virando
- Não querendo ser metido, mas já sendo, até onde acha que vai conseguir ir?
- Até minha cama de hospital.
 - Está realmente fissurado com essa ideia. – Disse o Sobrinho – Gabriel, volte aqui! Gabriel! Porra Gabriel...! Não me deixe falando sozinho!!
Gabriel abriu a porta por onde havia entrado. Ele sentiu vontade de ver Amanda, nem que fosse para lançar spray de pimenta em seu rosto. Gabriel teve uma esperança de que ela o ajudaria de alguma forma, o que seria improvável, mas depois do que o Diabo contara seu lado da história, seja ela mentirosa ou não, nada mais parecia improvável.
- Isso é uma loucura. – Pensou Gabriel enquanto girava a maçaneta. Assim que o fez, sentiu uma mão lhe segurar pelo braço, Gabriel virou o rosto - Eu vou sair daqui, vou cavar até a superfície se for necessário!
O Diabo o olhou nos olhos.
- Não precisa, pode usar o elevador. - Gabriel afastou sua mão com um movimento do braço – Tenho uma proposta pra você.
- Por que sinto que não vou gostar?
- Ah, vai sim. – O Diabo sorriu – Vai querer me ouvir? – Gabriel se virou para Ele, em seguida assentindo com um movimento de cabeça – Uma semana. Eu te dou uma semana para pensar, e depois desses sete dias, você vai me dizer em qual história você acredita.
Todos os padres, pastores, rabinos, papas, profetas, freiras, gurus, coroinhas, bispos, santos e anjos, todos gritavam para dizer não, sua espirito cristão gritava para dizer não, a fé dentro dele chutava seu saco de dentro para fora enquanto negava. Mas sua mente abriu espaço tal qual Moisés com o mar vermelho, e de sua boca veio a resposta:
- Ok.

O Diabo lhe estendeu a mão, Gabriel a segurou.








Pode-se dizer que isso é o FIM















PS: NÃO SOU SATANISTA












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